A lógica do Cisne Negro
Ler NASSIM TALEB é sempre um exercício mental para sair da zona de conforto. Este não foi o primeiro livro que li. O primeiro, que eu ainda devo uma resenha, foi Iludidos pelo Acaso… É sempre instigante sua leitura, pois, além de petulante, suas ideias são de fato fora da curva normal
Em O CISNE NEGRO (The Black Swan), Taleb discorre sobre sua ideia de que vivemos em um mundo muito mais “Extremistan” que “Meritocristian”. Como decorrência, o acontecimento do Cisne Negro (evento imprevisto) causa muito mais impacto em nossas vidas (positivo ou negativo) do que os eventos previsíveis (para o qual nos preparamos).
Mas… como seria possível estar preparado para o imprevisível? Pelo unknown unknown? Vamos pra esse resumo juntos, cheio de filosofia e espetadas (já que Nassim é tudo, menos delicado)...
Resumo
Aleatoriedade é uma palavra-chave para entendermos tudo que é colocado no livro. Como humanos, temos dificuldade de compreendê-la, porque, em realidade, ainda que na teoria ela é uma propriedade intrínseca de não previsibilidade, na prática, nada mais é do que o resultado de informação incompleta. O problema reside justamente na nossa petulância de achar que já sabemos tudo!
Taleb não cansa de lembrar o leitor que se considera um cético empírico. O ceticismo de Taleb busca, segundo ele próprio, minimizar nossa dependência nas teorias, se preocupando mais em acertar a premissa. O empírico diz respeito a entender que não precisamos entender a causa para aceitar uma binômio ação-reação. Assim, reduzindo surpresas, ele espera estar mais certo de uma maneira ampla, do que precisamente errado.
Na primeira parte do livro, primeiro é chamada a atenção de que não sabemos o quanto não sabemos. E corriqueiramente nos esquecemos disso. Também somos introduzidos aos modelos de mundo do autor: Mediocristian (em que não é possível haver aleatoriedade) e Extremistan (em que a aleatoriedade existe e, portanto, não podemos fazer previsões). Por meio de vários exemplos ele argumenta que o mundo que vivemos, e qua a maior parte dos problemas que importam (a população daqui a 20 anos, a distribuição da riqueza ou o mercado de capitais) são pertencentes a um mundo aleatório, desconhecido e imprevisível. E que, gerar modelos que abarquem ou dependam dessas variáveis é mais danoso para a sociedade do que não ter modelo algum!
Sobre nossa dificuldade em aceitar que não podemos prever tudo (ainda mais no mundo Extremistan) Taleb pontua alguns problemas mais evidentes, e que já vimos em Rápido e devagar, como o viés da confirmação, a falácia narrativa, negacionismo, evidencia silenciosa (WISIATI) e pré-seleção (enquadramento e calibragem). Além disso ele fala bastante do problema da indução (o quanto de dados precisamos para determinar que temos dados o suficiente).
A segunda parte do livro é um apelo a nossa sociedade que adora prever o futuro. Projeções econômicas… populacionais…fluxos de caixa… muitas pessoas com MBA dedicam sua vida a prever o futuro e tripudiam as tarólogas. Bem, Taleb, por mais exemplos e argumentos nos mostra como a variabilidade importa e é desprezada nas previsões.
Principalmente, é apresentado o problema reverso (do cubo de gelo) que vai em linha com a nossa dependência causal discutida na PARTE I (O lógico W.V. Quine argumenta que várias interpretações lógicas podem explicar um único fato. São as potenciais verdade, ainda que talvez, nenhuma delas possa ser a “verdadeira”. Por isso, apenas a ausência de loucura não deveria ser indicativa de que chegamos a uma conclusão válida). Além disso, é discutido como nossa percepção de probabilidade é manca. Tendemos a superestimar bons resultados, e subestimar os ruins.
A terceira parte (a última densa) é técnica e densa, visa demonstrar nossos erros matemáticos em usar a curva Gaussiana como um mantra, sendo que ela só poderia ser aplicada em eventos pertencentes ao Mediocristan. No entanto, seguimos vivendo em um mundo em que a maioria dos problemas (relevantes) estão sujeitos à aleatoriedade (e portanto, Extremistan, em que a aleatória existe, e que um único dado (inusitado) altera totalmente o resultado final.
É nessa parte que o autor fala sobre o pensamento fractal, em que as pequenas partes se remetem ao todo, apenas em uma escala diferente e constante, diferente da curva normal, que possui o efeito calda longa.
O fechamento do livro é curto (parte quatro), porém, a versão que li trás um pós-escrito com diversas pontuações do autor sobre o escrito original e uma sessão “how-to” que, resumidamente trás a resposta para a grande pergunta de todos em ler seu livro: como decidir diante da certeza da incerteza?
- Entenda que os eventos pertencem 100% ao Mediocristan ou 100% ao Extremistan: a decisão é binária!
- Esqueça probabilidade, o que importa é o impacto
E lembre-se:
Prólogo
O título do livro se justifica na abertura do conteúdo, com a história dos cisnes brancos. Antes do “descobrimento” da Austrália, acreditava-se que todos os cisnes eram brancos. Essa crença era confirmada pela evidência empírica de que, oras bolas, todos os cisnes vistos até então eram brancos!
Essa história, ilustra a limitação e fragilidade do nosso conhecimento. Bastou uma única observação para destruir uma crença embasada em séculos de observações e dados.
A estória do cisne negro é usada para ilustrar o evento Cisne Negro de Taleb. Esse evento reuniria três características: raridade, impacto extremo e retrospectiva preditiva.
O Cisne Negro é a teoria de que o que você não sabe é muito mais relevante do que o que você sabe. Afinal de contas, se você sabe, você prevê e se prepara…Não há estranheza em um evento previsível, e sim no imprevisível.
O problema do Cisne Negro é que nossa sociedade não está moldada para ele. Todos são cientes de que a prevenção é mais desejável e eficiente do que o tratamento, mas os atos de prevenção são menos valorizados socialmente do que de remediação.
No estudo dos fenômenos, podemos encará-los de duas formas:
(A) Retirar o extraordinário (outliers) e focar no “normal”
(B) Estudar o extraordinário com o intuito de entender o fenômeno
A abordagem de Taleb, é sempre pelo ponto (B), afinal, ele defende que o normal é, geralmente, irrelevante.
Outra característica perene na forma como o autor coloca suas ideias é o uso de narrativas e introdução de personagens fictícios (ou não) para ilustrar seus argumentos. Ele mesmo justifica essa forma de se expressar como um instrumento persuasivo que é natural e (infelizmente) da nossa necessidade de construir uma narrativa e uma relação causal para tudo que observamos.
Contudo, ele alerta. Sua sucessão de estórias (anecdotes) não são evidências. Apesar de parecerem e facilmente iludirem o leitor desatento, todo seu livro é escrito de forma a refutar esse comportamento humano em ver evidencia em histórias passadas e chegar a conclusões errôneas sem considerar a aleatoriedade e o desconhecido.
Parte I - A anti-biblioteca de Umberto Eco, ou, como procuramos por validação
Para abrir seu argumento de que o desconhecido deveria ser colocado em destaque por nós, Taleb conta que o escritor Umberto Eco considerava mais importe os livros que ainda não havia lido dos que o que já lera. Para ambos (Eco e Taleb), quanto mais lemos, mais nosso conhecimento aumenta, e, consequentemente, mais temos ciência do quanto não sabemos. Assim, a anti-biblioteca é a composição dos livros que se amontoam em nossa estante e nunca conseguiremos ler, pois seria impossível obter todo o conhecimento disponível.
Nossa sociedade subestima o valor do desconhecido, e coloca um peso desproporcional sob o universo que conhecemos. Assim, temos como fundamento desconhecer a probabilidade do improvável.
O autor defende que cometemos três graves erros ao observar o mundo:
- A ilusão do que entendemos nos faz achar que sabemos mais do mundo do que de fato sabemos
- A distorção da retrospectiva, que nos leva a conclusões óbvias depois do ocorrido (a história parece clara a posteriori que os fatos são organizados nos livros, mas não é tão clara no momento em que os fatos estão acontecendo)
- A superestimação das informações factuais, principalmente quando são categorizadas (platonificadas)
Principalmente no ponto 2 o autor relembra a fragilidade da nossa memória e a importância de diários, que, ao serem relidos, nos permite a compreensão dos fatos sem a ilusão retrospectiva. Ele exemplifica a diferença de estudar guerras por livros de história versus diários de pessoas que viveram o conflito, onde os fatos não parecem tão delineados e exatos como contados nos livros acadêmicos.
O problema da categorização (ponto 3) é que ela reduz a verdadeira complexidade do elemento categorizado. E, qualquer simplificação do mundo gera consequências na forma como modelamos o mesmo.
Em 19 de outubro de 1987 ocorreu a maior queda do mercado da história moderna (no momento do livro). Nassim, que entre suas ocupações é (ou foi) um trader, ganhou grande parte de sua fortuna por “acreditar no improvável”. O evento, abriu caminho para que o autor se dedicasse mais a ser um pensador cético empiricista (coisa que ele acha mais divertido que tradar). Ele explica que, a filosofia da história e a epistomologia (filosofia do conhecimento) são inseparáveis do estudo empírico de dados históricos no tempo (time series data). Quando os dados são números (e não palavras) tudo fica muito mais fácil de computar. Já a realidade empírica não pode ser medida.
O ocorrido em 1987 foi o cisne em sua vida que poderia nunca ter acontecido. Como exemplo contrário, O autor cita o enredo do livro Il deserto dei Tartari, que conta a história de um militar que espera que o cisne negro (a Guerra contra os Tártaros) ocorra em sua vida. O problema, é que não sabemos se o cisne irá acontecer ou não, e podemos passar a vida toda à sua espera (como ocorre no romance).
Essa divagação puxa o gancho para escolhermos profissões escaláveis ou não.
Uma profissão escalável é aquela em que sua receita não depende diretamente do esforço contínuo, mas sim da qualidade de suas decisões (e, provavelmente um tanto de sorte). Por isso, apesar de sua sorte na vida em sua profissão escalável de trader (ou autor de sucesso), Taleb deixa o alerta para não seguir uma profissão escalável. Essas, são muito mais competitivas e injustas, poucos pegam o pedaço maior da torta (estes, são os que vemos, os atores de Hollywood e jogadores das grandes ligas), mas a parcela que fica com pouco (muito pouco) é uma legião de profissionais que mal conseguimos dimensionar. Profissões escaláveis são aleatórias, e não possuem uma conexão direta e proporcional entre esforço e recompensa.
O problema da escalabilidade é justamente a sua parte invisível. A evolução é escalável pois o DNA que vence (Seja por pura sorte ou vantagem evolutiva clara) é o DNA que podemos estudar e contar. O que não ganhou na história evolutiva, desaparece. Até os fósseis que encontramos são apenas uma parcela das espécies que um dia habitaram o planeta, pois condições extremamente específicas são necessárias para cultivar um fóssil.
Taleb também discorre sobre as vantagens tecnológicas e avanços sociais que permitiram a escalabilidade de várias profissões. Antes, um contador de histórias, um cantor ou ator estavam “fadados” à audiência local de sua vila. Com a escrita e futuramente a facilidade de reprodução dos textos, histórias e ideias tiveram um alcance maior. A gravação de discos e os rádios “tirou do negócio” o cantor da vila e deu lugar para que poucos se destacassem e levassem “toda a fatia da torta”.
Assim, com a ideia de profissões escaláveis e não escaláveis, Taleb nos introduz aos seus dois modelos de mundo: Mediocristan e Extremistan. O mundo Mediocristan diz respeito às variáveis que estudamos e que, dada uma grande amostra, nenhuma instância poderá mudar significativamente o total agregado. A maior observação será impressionante, mas indiferente para o total.
Exemplo prático: pegue uma amostra de 1000 pessoas aleatórias. A pessoa mais gorda pode pesar 200kg, o que seria assustador, mas sua contribuição para a soma total não seria nem de 0.6% (segundo Taleb). Ou seja, mesmo o extremo da observação é irrelevante.
No Extremistan, uma única observação é capaz de causar um impacto desproporcional à toda amostra. Esse princípio de funcionamento acontece para a maior parte das nossas “variáveis sociais”. Distribuição da riqueza/pobreza é o exemplo típico.
No mundo Mediocristan você pode estar seguro que, quanto mais dado coletado, mais próximo você está da verdade. Pois, por definição, se já temos dados suficientes, qualquer nova observação não tem muito a agregar no conhecimento. Assim, não há aleatoriedade no mundo Mediocristan! Não pode então, ocorrer um Cisne Negro. Em contrapartida, no mundo Extremistan, uma única observação pode mudar toda a base do conhecimento, e você deve sempre suspeitar dos dados.
O PROBLEMA DA INDUÇÃO
O problema da indução é introduzido no livro pela história do peru. O peru tem dados históricos de que durante toda sua vida foi alimentado com grande fartura por seu dono. Assim, ele conclui que tem uma vida ótima. O problema da indução é assim definido: como (ou quando) definimos que temos dados suficientes sob um evento específico e podemos chegar a conclusões genéricas?
O peru possuía muitos dados, mas nada no passado de sua existência poderia indicar que morreria no Natal. Como o peru poderia ter propriedades infinitas do desconhecido futuro para embasar hipóteses com dados históricos finito?
Assim como a véspera de Natal foi uma surpresa para o peru, os Cisne Negros que acometem a humanidade são uma surpresa (até porque isso os definem). Eventos que impactam profundamente nossa sociedade pode ser positiva (e geralmente levam mais anos para mostrarem seu efeito) ou negativos (geralmente, acontecem de maneira mais pontual e rápida).
Ao ler o livro, o que eu não consigo deixar de pensar na história do peru, é que ele poderia prever seu fatídico futuro se expandisse seus horizontes e coletasse dados sobre outros perus, que viveram em épocas diferentes. Claro, isso seria bem difícil para o peru, mas para nós, humanos, its a pice of cake. Mais para frente, Taleb fala um pouco que, na verdade, quanto mais dados, pior para as “predições”. Então vou deixar essa nota mental aqui. Talvez, eu apenas não tenha gostado do exemplo do peru para indicar que, apesar de decisões baseadas em dados serem boas, não devemos (1) presumir causalidade com tanta facilidade quanto fazemos e (2) presumir que temos todos os dados disponíveis (mesmo que tenhamos muitos) pois a quantidade de informações que desconhecemos é sempre maior do que a conhecemos.
Taleb continua sobre a dificuldade humana em prever (?) ou aceitar a existência de Cisnes Negros:
- Erro de confirmação: focamos em segmentos pré-selecionados e generalizamos (sem poder);
- Falácia narrativa: ao criar histórias que suprem nosso desejo genético por encontrar padrões somos uma máquina de auto-enganação;
- Nos comportamos como se não existissem efeitos aleatórios e de grande impacto (cisnes negros);
- Evidência silenciosa distorce a realidade: o que vemos não é necessariamente tudo que existe;
- Nós pré-selecionamos um conjunto de variáveis/eventos e manipulamos as probabilidades sem plena consciência de que fazemos isso;
Um dos problemas de narrativa que encontramos facilmente em nossa mente são de afirmações que não são “intercambiáveis”. Exemplo: há uma grande diferença em dizer: “quase todos os terroristas são muçulmanos” e “Quase todos os muçulmanos são terroristas”. Se a primeira frase é verdadeira (suponha, 99% dos terroristas são muçulmanos), então, dada a população de muçulmanos, apenas 0,001% deles seria um terrorista. Mesmo assim, eu (Bruna, não Taleb) diria que 99% das pessoas olham torto para um Muçulmano andando de avião.
O problema está no nosso cérebro, que não aplica as regras lógicas nas situações reais do dia-a-dia. Todos achamos que não cometemos esses erros na sala de aula (contudo, Kahneman e Tversky demonstraram que alguns erros são cometidos em sala de aula sim, inclusive por “especialistas”)
Uma das evidências da nossa falta de racionalidade é justamente a nossa relação com ter/não ter doenças. Existe um termo na medicina: NED (no evidence of disease). Ou seja, nunca estaremos 100% certos se não temos uma doença. No entanto, ao recebemos um diagnóstico negativo, reagimos como se isso fosse certo.
Nossa tendência natural é olhar para as narrativas que confirmam nossas hipóteses, e ignorar as demais opções. Ainda mais preocupante: olhamos para fatos que confirmam nossas hipóteses como se fossem evidências de que a hipótese é positiva! Nas palavras de Taleb: “chegamos perto da verdade a partir da negação, e não da verificação!”. Se eu vejo um cisne negro posso afirmar com certeza: todos os cisnes não são brancos! Contudo, quanto mais cisnes brancos coleto (verificação), mais… nada! Não tenho ganho de informação!
Um dos “ídolos” do autor é o ensaísta Karl Popper, que é um dos precursores da técnica da falsificação, que seria, justamente, tentar provar que uma hipótese é errada pela evidência do contrário, e não buscar corroboração. É a ciência (no sentido de estar ciente) de que cada peça de informação obtida não tem o mesmo peso na avaliação.
Como já enfatizado, testar uma hipótese pode ser feito por dois caminhos:
(A) Olhar onde a hipótese funciona
(B) Olhar onde ela não funciona
Nesse ponto, Nassin cita um experimento de P.C.Wason, que demonstra como nós, humanos, tendemos a abordar problemas pelo lado (a), ignorar o NED.
Dada a sequência: 2, 4, 6… pergunta-se: qual o próximo número? O experimentador diria então a você SIM ou NÃO, caso o número se encaixe na sequência. Em seguida, você deveria postular uma hipótese. O experimento foi feito (e replicado) com resultados semelhantes. A maior parte das pessoas reponde 8 ou 10, e postula que a regra são número pares ou a soma dos últimos dois números… Bem, é mais um exemplo de confirmação e verificação! A regra, é que são aceitos sempre números crescentes. Para descobri-la, você deveria falsear o que você inicialmente supunha! No entanto, você, leitor (e eu, Bruna) provavelmente não fez isso.
Nossa tendência não é apenas fruto da nossa única vida. Outros estudos mostraram que temos uma “generalização coletiva”, possivelmente herdada por gerações e gerações de homo sapiens. Essa tendência também implica em outro erro comum: a falácia da narrativa.
Somos incapazes de ver uma sequência de fatos e aceitá-los sem estabelecer um nexo relacional entre eles. É necessário sair totalmente da nossa zona de conforto para memorizar fatos (ou termos soltos) sem estabelecer uma lógica entre eles, ou, até mesmo, sem julgá-los. Essa questão chega a ser física, pois nosso cérebro precisa de interpretação e contexto para processar qualquer informação (e fará isso, você queira, ou não).
Como prova dessa última afirmação, o autor exemplifica testes feitos em pacientes que tem o cérebro separado do lado direito do esquerdo (raríssimos casos estudados). Se você se comunica com os hemisférios direito mandando a pessoa executar uma ação, e pergunta ao esquerdo o porquê a pessoa fez a determinada ação, o lado esquerdo dá uma explicação mesmo ela sendo inexistente (o motivo, é que você mandou, mas o lado esquerdo não sabe disso). Se você inverte o experimento, manda o lado esquerdo performar a ação e pergunta para o lado direito o motivo, ele responde “eu não sei”.
A BIRD IN THE
THE HAND IS WORTH
TWO IN THE BUSH
Por que a diferença de respostas? O lado esquerdo do cérebro parece ser ligado a como identificamos e interpretamos padrões. O lado direito seria mais realista e concreto (Alan Snyder demonstrou que ao inibirmos o hemisfério esquerdo as pessoas desenham melhor, com mais verossimilhança, e detectam o erro na frase acima com mais rapidez – aliás, você notou o “erro”?)
Nassim, argumenta que toda essa tendência de causalidade é biológica (tanto física quanto neurológica). Isso pode se justificar pela proposta apresentada em Rápido e Devagar, que a obtenção de informação é custosa (como também é cara para armazenar). Quanto mais contexto temos, mais fácil é para nós armazenar, resumir, transmitir e compartilhar informação!
Nessa parte do livro eu me lembrei vividamente o dia em que minha irmã nos desafiou a decorar 15 (ou seriam 10?) palavras aleatórias. Acredito que minha mãe foi a ganhadora da aposta e até hoje se lembra das palavras pois construiu uma narrativa em sua cabeça, que, ainda que não tivesse muita lógica, (tinha um prefeito deitado na cama e um jacaré no banheiro) a ajudava a lembrar da lista, na ordem em que foram enunciadas.
Nota aleatória: sexo, classe social e profissão são melhores segregadores de comportamento do que nacionalidade. (Um homem da Suécia parece mais com um homem de Togo).
Nós nos preocupamos com os eventos improváveis errados. Erramos na conta da probabilidade por causa da nossa tendencia em ver mais sentido nas histórias com conceito. Qual das duas sentenças é mais provável?
(a) Joe parecia feliz em seu casamento. Ele matou sua esposa.
(b) Joe parecia feliz em seu casamento. Ele matou sua esposa para pegar sua herança.
A segunda frase é mais plausível em nossa mente, mas é menos provável porque é mais específica!
Eventos raros também são encapsulados sob duas formas:
(a) Narrativos, presentes na mídia sensacionalista todos os dias
(b) Não-plausíveis (na superfície, porque, na realidade, são plausíveis)
Os eventos do tipo B deveriam ser os que devemos nos atentar mais. Infelizmente, por serem extremamente raros (tanto A, quanto B) são subestimados por nós, e, quando acontecem (como o atentado de 9/11) são refletidos em nossa mente com uma probabilidade maior do que de fato se pode incumbir a eles.
Outro problema estrutural mental que sofremos é o erro da confirmação. Já discutimos que o mundo é mais aleatório do que parece, mas ainda não abordamos como nossa sociedade também está alinhada para o mundo estável e de resultados constantes e tangíveis. Essa alegação é feita e exemplificada por Taleb por meio, novamente, das profissões escaláveis e não escaláveis.
As profissões escaláveis (como a de um pesquisador em busca da cura pelo câncer) possuem um caminhar lento e provavelmente sem nenhuma ruptura ou excitamento no dia a dia. Não se pode “ver” o progresso. Diferentemente de um engenheiro que projeta uma ponte e consegue visualizar o resultado, o cientista é colocado à margem da sociedade exceto quando (e se) há um evento raro que mude toda a concepção de mundo que temos até então.
Essa diferença do “andar” das profissões e de nossa vida social pode ser definido também pelo conceito de não-linearidade. Algo difícil de ser compreendido naturalmente pelos seres humanos (inclusive cientistas). É mais benéfico, por exemplo, ganhar 100 mil reais ao longo de 10 anos do que 1 milhão de uma só vez. Esse efeito é conhecido como “efeito positivo” na psicologia e, para ações negativas tem um impacto reverso. Isto é, é preferível que toda a dor na sua vida ocorra em um único ponto, do que se espalhe ao longo dos anos.
Mais um problema é apontado por Taleb pela forma que percebemos os eventos que compõem nossa vida. História é qualquer sucessão de eventos vistos na posteridade. A evidência silenciosa é o termo que ele usa para descrever o universo desconhecido por nós que muda as proporções e chances de algo ocorrer.
Para colocar em perspectiva um evento atual, a taxa de mortalidade da COVID19 segundo a John Hopkins variava de 0.7% na França até 6.6% no Peru. No Brasil, a taxa é de 2.2% (consultado em jan/2022). Todos esses números nos dão uma ideia da mortalidade, contudo, é impossível saber o número real pois sabemos que a base (o número de pessoas infectadas) registradas por cada país não corresponde ao total de casos reais.
A evidência silenciosa também deve ser relembrada sempre quando estudamos o curso dos acontecimentos que acometeram um país. Sejam guerras, revoluções ou golpes. A história é contada pelos vencedores.
Taleb ridiculariza livros autobiográficos, de histórias de sucesso de CEOs e multimilionários. Argumenta que, todas as características encontradas e louváveis por essas pessoas de sucesso também são encontradas nas pessoas que não tiveram sucesso (simplesmente, porque tiveram menos sorte).
Governos sempre falam o que foi feito, não o que não foi feito. Políticos escolhem alocar capital na causa “mais evidente”, não na mais relevante. Além disso nossa sociedade consome a propaganda do “olhe o que eu fiz por você” e não “olhe o que eu evitei para você”.
Na vida real, não sabemos as probabilidades, temos que descobri-las.
Mais ainda, temos que nos lembrar, constantemente, que nossas premissas podem ser falsas, e não nos agarrar às nossas próprias teorias. Não podemos confundir o mapa com o território.
Parte II - Nós simplesmente não conseguimos prever
Depois de toda a apresentação do que são cisnes negros e dos vieses naturais que acometem os humanos em compreender o mundo que nos cerca. Vamos embarcar nos aspectos de que tentamos prever o futuro com frequência, apesar de isso ser impossível.
Somos arrogantes. Pensamos saber mais do que de fato sabemos e, infelizmente, não admitimos que o que não sabemos possuí duas facetas: o que sabemos que não sabemos e o que não sabemos que não sabemos. A este último, é impossível mensurar o tamanho e despreparo do nosso conhecimento.
O problema da confiança (e arrogância) é bem testado pelo experimento que pede que os participantes chutem intervalos de confiança em que eles estariam 98% das vezes corretos. Isto é, dadas 100 perguntas aleatórias (Quantos amantes teve Catharina II, da Rússia?), você está livre para chutar um intervalo (entre 0 e 50?) em que você ache que vai acertar 98 das 100 perguntas.
O resultado é assustador. Mesmo quando nós calibramos o intervalo (podemos chutar entre 0 e 100, 0 e 100000000, ou 1 e 10000000 amantes), as “vítimas” do experimento estavam erradas entre15% e 30% das vezes! Isso mostra o quanto somos confiantes ao calibrar nossas respostas.
Os erros pioram à medida que o grau de incidência do erro diminui. Isto é, se pedimos para que a pessoa calibre para acertar 99% dos palpites, o resultado é pior.
Para Taleb adivinhar e prever são a mesma coisa. Adivinhar = chutar um número que eu não sei e outra pessoa sabe. Prever = chutar um número que vai acontecer no futuro e ninguém tem conhecimento do mesmo. Quando falamos em prever uma variável, geralmente nos recusamos a usar o termo “chutar”, (relacionado a dizer algo aleatoriamente, sem qualquer balizamento) pois temos diversas profissões seríssimas (a minha, cof cof) que passam dias fazendo previsões, cruzando dados, avaliando situações, procurando no passado evidências… Bem, para Nassim, quanto mais informação você tem, mais teorias irá formular. Mais não é necessariamente melhor…
Outro ponto é que nossas predições geralmente são medíocres. Isto é, elas não costumam sair do previsível, contudo, basta um erro, basta um evento “irregular” ao longo dos anos para bagunçar o fluxo de caixa planejado. Não importa se você está certo ou errado. Importa quão grande os seus erros cumulativos serão.
Quando observamos “experts” que preveem o futuro, raramente eles são confrontados com seu grau de previsibilidade. Quando erram, amaciam o seu ego e “jogam a culpa” no cisne negro, que não poderia ter sido previso com os dados disponíveis. Atribuímos nosso fracasso aos eventos que estão fora de nosso controle, porém, quando acertamos, somos os poderosos que conseguem prever o futuro.
O problema de prever o
futuro sem atribuir a previsão uma taxa do erro é que você mascara três pontos ligado
à natureza da incertidão:
- Variabilidade importa (ou, desvio padrão): o exemplo clássico é da frase: “não atravesse um rio que, em média, tem 50cm de profundidade. Se a taxa de erro for 5cm, ok! Mas… e se for 4m? Nossas decisões (especialmente políticas) deveriam basear-se muito mais segundo o range de possibilidades do que do resultado esperado
- A diferença entre um “futuro próximo” e “futuro distante” é gigantesca. (Talvez, o forseeable future nem exista!). Nossos erros de previsão do futuro (viagens espaciais, mundo virtual) são grotescos, e não há nada que indique que nossa capacidade de o prever mudou.
- Má compreensão das variáveis que estão sendo previstas. Dado que vivemos no mundo mais Extremistan que Mediocristan, mesmo se concordamos com uma previsão, devemos nos preocupar (intensamente) com a possibilidade de divergência.
Ao discorrer sobre as falácias da previsão, o autor exemplifica a evolução da ciência, que se dá, muitas vezes, de maneira “despropositada”. O exemplo clássico é o da penicilina, em que a substância foi descoberta ao acaso, enquanto Fleming limpava seu laboratório. Mesmo à época, não se tinha ideia da ruptura que a substância faria na medicina. Ele afirma ainda que, no geral, quem busca por algo, não a encontra. E os descobridores acabam sendo outros cientistas que tropeçam no achado, e acabam mudando o mundo.
Outro exemplo, são das descobertas/invenções que transformam o mundo e ninguém, nem seu criador, tinham ideia no momento da concepção. O caso do laser, que causou grande avanço nas cirurgias de córnea, ao ser inventado não tinha sequer nenhum propósito prático, era apenas uma curiosidade de Charles Townes em “brincar” de separar feixes luminosos.
Toda a exemplificação das descobertas inusitadas introduz a ideia de que as previsões históricas são impossíveis de serem feitas (ou sequer aproximadas) pois dependem da previsão das inovações tecnológicas e de seu real impacto no mundo. Contudo, para prever uma inovação tecnológica (que nem sequer concebemos ainda) fundamentalmente, você seria capaz então de já inventar hoje (e não amanhã, ou em 5 anos). Esse pensamento é abordado nos escritos de Popper e, também, pela própria estatística através da lei das expectativas iteradas.
Nessa parte do livro eu não pude deixar de lembrar da fala do Pequeno Príncipe, que sem toda a prosa de Taleb já nos joga a sabedoria desde criança:
Concluindo, para entender o futuro a ponto de conseguir prevê-lo, devemos incorporar elementos do futuro no presente (a descoberta “antecipada”). Além do conhecimento, também estamos falando de prever o comportamento e as atitudes que cada ser humano tomará individualmente. E, se admitirmos isso, estamos colocando em cheque a crença no livre-arbítrio.
O problema da previsibilidade não acaba por aí. Taleb inicia o discurso do “efeito borboleta”, em que, para prevermos uma ação, precisamos ter muita informação. Não só para a história, mas até para movimentos físicos que conhecemos razoavelmente bem a matemática. Nosso mundo está conectado de maneiras que não conseguimos rastrear. Seria possível prever o posicionamento das bolas de bilhar em uma tacada, por exemplo, se conseguíssemos medir com precisão as variáveis físicas envolvidas (como a resistência da mesa e do ar, o ângulo e a força da tacada, o peso da bola). Contudo, enquanto nossa previsão do primeiro impacto possa ser certeira, dos impactos subsequentes a imprecisão é relevante. Para computar o 56º impacto (em uma sequência de uma só tacada) cada partícula do universo deveria ser levada em consideração! Esse pensamento foi introduzido pelo pensador francês Poncaré, que advocava que não podemos computar o mundo, apenas discuti-lo.
Finalmente, o autor termina com uma reflexão que me instigou, e transcrevo aqui exatamente o parágrafo (em tradução livre): “por causa do problema da confirmação, podemos inferir que sabemos muito pouco sobre o mundo que nos rodeia. Sabemos sobre os livros escritos (e que lemos), mas nos esquecemos da enorme anti-biblioteca que nos assombra. A física (A senhora das ciências) tem sido exitosa em descrever o mundo por equações, mas é um pequeno campo dentre tantos existentes da ciência. Talvez, teria sido preferível termos tido mais sucesso em entender melhor o câncer ou prever (e evitar) desastres naturais, do que buscar a origem do universo.”
Quando não entendemos algo inteiramente (e há muitas coisas que não entendemos), o autor chama a atenção para a necessidade de assumirmos o não conhecimento, mas, diante de evidências claras, não ignorar comportamentos que possam ser benéficos. Ele coloca como o exemplo a acupuntura, ainda que não exista motivo aparente para que funcione, resultados empíricos de que funciona demonstram que, nem sempre, precisamos estabelecer uma relação de causalidade para aplicar uma técnica.
Uma outra maneira de olhar para o problema do peru de Natal também é apresentada, colocando nossa própria pessoa no local do peru. Se estamos vivos hoje (lendo esse texto) isso significa que vivemos mais um dia e estamos (a) mais perto de sermos irmotal ou (b) mais perto da nossa morte? O leitor sensato responderia (B), mas quem somos nós para prever o futuro? Um cisne negro pode estar nos esperando na esquina com a possibilidade de uppar nossa consciência para nuvem…
Ambas as hipóteses estão baseadas no mesmo dado (que estávamos vivos no passado e permanecemos hoje). Principalmente se ignorarmos nosso conhecimento externo de que a expectativa de vida do ser humano está entre 70 e 100 anos, e que, o mundo como é hoje, não somos imortais, a teoria (a) faz sentido dentro do universo do dado apresentado.
Matematicamente falando, é o problema de acharmos que podemos fazer uma regressão linear e resolver o problema! O modelo linear e único, mas vivemos em um mundo com vários graus de liberdade, assim, as possibilidades de regressão são (potencialmente) infinitas! Quando escolhemos o modelo linear, abraçamos a projeção da tendência, e nos “esquecemos” que as possibilidades no futuro são infinitas.
Apesar de todo o discurso “não vamos prever nada pois não vamos acertar”, o fechamento do capítulo expõe a ideia de Daniel Dennett que, em suas teorias, demonstra a vantagem humana sobre os outros animais com a possibilidade de, justamente, “prever o futuro”. Nosso cérebro é capaz de imaginar situações se executamos uma determinada ação, e isso nos salva do instinto imediato de primeira-ordem (bater em alguém) que pode acarretar em maus desfechos (o alguém revidar).
Mesmo com essas vantagens, nosso cérebro tem dificuldades em lidar com o futuro. Ao planejar o dia de amanhã, é difícil pensar intuitiva e naturalmente o que eu havia planejado para hoje (o amanhã de ontem) e calibrar minhas expectativas e maneira como realizo meus planos (é para isso que usamos kanbans Taleb!)
Finalmente, não só desconhecemos o futuro, como também nosso passado. Não se tem certeza o quanto de nossa memória é fabricada (aparentemente, não lembramos de um fato do passado, mas da última vez que nos lembramos desse fato). Além disso, já é sabida que não somos conscientes da quantidade de memória que realmente temos e quanta inventamos conforme vivemos, mesclamos fatos e criamos situações que não ocorreram com tantos detalhes que nos surpreendemos quando provados do contrário (lembrar do efeito Mandela).
Nassim coloca um exemplo muito interessante sobre nossa capacidade de prever o futuro X passado. Se temos um cubo de gelo, e tentamos imaginar como será a poça d’água resultante do seu processo de derretimento, a imagem da poça irregularmente circular logo nos vem à mente. Contudo, se somos apresentados à poça, e temos que imaginar a forma do gelo que ali estava, o exercício mental é maior e a resposta possivelmente não pode ser dada com precisão, pois, infinitos formatos de cubos de gelo poderiam levar àquela configuração.
Assim é a história. No entanto, insistimos em revisá-la e estabelecer causalidades exatas e únicas para cada fato (eu sempre fiquei revoltada quando aprendemos que a primeira guerra começou com o assassinato de Ferdinando!)
Parte III - Os cisnes cinzas
A Parte III do livro dedica-se a explicar principalmente a teoria da curva de sino e, por meio de exemplos, deixar claro que ela não se aplica a maior parte dos problemas da vida real (ao contrário do que fazemos por “criação” da sociedade atual.
Nassim escreve que ele passou anos de sua vida estudando a aleatoriedade e que, quanto mais estuda e vive, mais percebe o mundo como uma profusão de eventos aleatórios. No entanto, as pessoas parecem, a cada dia, estarem mais seguras de si e de suas previsões.
Seus exemplos, frisam mais uma vez o mundo escalável das profissões, em que uma pessoa marginalmente melhor fica “com todo o pedaço da torta”. Esta, inclusive, é a raiz da inequalidade. O mundo pode parecer injusto por essa ótica, porém, por outro lado, o marginalmente melhor pode ocorrer pela randomicidade natural da vida (cada um de nós “recebe” um conjunto de talentos) e por eventos diários (o famoso estar no lugar certo na hora certa) que acaba por trazer mais “justiça” no nosso mundo desigual.
Nesse ponto, ele aproveita para diferenciar o capitalismo e o socialismo sob a ótica da aleatoriedade. Seu argumento é que no ambiente socialista, em que se tem mais controle das organizações, a sorte/azar tem um papel restrito e por isso nas sociedades fechadas o número de empresas gigantes que perduram décadas e décadas é muito maior do que nas sociedade abertas. Nos EUA, das 500 maiores empresas listadas em 1957, apenas 74 ainda permanecem no índice SP-500.(base 1997)
Taleb também cita o trabalho de Scott Page, COGNITIVE DIVERSITY: HOW OUR INDIVIDUAL DIFFERENCES PRODUCE COLLECTIVE BENEFITS, que é uma leitura interessante. Nele é abordado como as diferentes maneiras de pensar e óticas (que são naturais quando se tem diversidade social) ajuda na resolução de problemas.
Voltando a Gauss… a ideia da curva de sino é que, as observações são sempre centradas na média (no medíocre) e que, a probabilidade de se ter uma medida longe da meta é exponencialmente pequena quão mais longe estamos da média! É o efeito da cauda longa.
Acontece, que não
podemos aplicar Gauss para a maior parte dos nossos problemas, pois vivemos em
um mundo Extremistan! Gostei do seguinte exemplo: se tenho duas pessoas que,
juntas, somam 3,4m. É razoável chutar que ambas devem ter uma altura média de
1,7. Contudo, se temos dois autores, que juntos venderam 1mi de livros, é mais
razoável dizer que um deve ser um best-seller (vendendo mais de 990k cópias) e
o outro teve uma tiragem tímida.
Os exemplos do autor
seguem com o intuito de demonstrar que, “ para as coisas que realmente
importam” temos um modelo Extremistan e não deveríamos usar tanto médias e
desvio-padrão para descrever e predizer nossas variáveis (que é o que acontece
no mundo da análise de riscos)
Toda a ideia
da curva normal é ignorar os desvios. A teoria de Gauss, inicialmente, era conhecida como teoria dos erros,
isto é, acreditavam-se que os desvios eram erros. Taleb grita que esses desvios
são justamente os pontos que deveríamos analisar (ainda que não possamos
prevê-los…). O desvio padrão, para o autor não existe fora do modelo
Gaussiano, porque, para cada série de dados temos um desvio (o mundo é aleatório!!!)
e, portanto, calcular o sigma não nos leva a lugar nenhum.
Um ponto importante geralmente
subestimado é justamente a característica exponencial da queda da probabilidade
ao se afastar da média. Uma medida de 21*sigma, teria uma probabilidade na ordem
de um trilhão de vezes MENOR que um desvio de 20*sigma. O problema prático
dessa teoria é que, basta um erro de mensuração infinitesimal na medida do
sigma para se ter uma probabilidade com casas e casas de erro. Se nossas
previsões são colocadas em desvios padrões aceitáveis, e esse desvio está
susceptível a erro que, por sua vez, implica em um erro maior ainda, então
nosso método não é nada confiável.
Outra estatística irritante
para Taleb é a correlação. Ele afirma que, para cada período a correlação será
uma (falando aqui do que as pessoas gostam de estabelecer correlações entre coisas
que não há correlação, como ações). Uma correlação, real, só pode
existir em um mundo mediocristan e só é real se é constante (i.e. não depende
do período de análise).
Na altura do capítulo 16, somos introduzidos à ideia de fractality (ou pensamento fractal). Essa palavra é sempre associada aos flocos de neve, pois sua formação se dá a partir da repetição de padrões geométricos em diferentes escalas. Esse termo, aplicado à aleatoriedade implica em dizer que as pequenas partes se remetem ao todo, e deve ser nomeado como “a aleatoriedade de Mandelbrot”, amigo e companheiro de pensamentos de Taleb.
A ideia geral é que o mundo “parece” (aleatoriamente) Gaussiano porque as partes extremas se cancelam. A certeza da curva normal só existe na soma infinita de pequenas incertezas. (lei dos grandes números). Enquanto na distribuição normal o comportamento é exponencial (exemplificado acima) o pensamento fractal reside em uma manutenção de proporção fixa, em que a escala muda.
O autor também cita mais três livros, que, caso eu consiga ler vou colocar linkados aqui sobre a teoria da complexidade dos sistemas. Em ambos os livros, Nassim diz estar alinhado com a abordagem dos problemas, contudo, chama a atenção para o fato dos autores não diferenciarem o problema natural do reverso (do cubo de gelo) e da importância de sermos céticos como as teorias são apresentadas a nós.
Devemos sempre ser vigilantes quanto a formulação dos problemas e suas soluções, pois, somos apenas observadores do que acontece e do que esperamos que aconteça. Quando algo é previsto com acuracidade, será mesmo que estamos no caminho certo? Quantos dados são necessários para provarmos que observamos uma distribuição Gaussiana? E fractal? Essa pergunta não tem resposta, e nossa incapacidade de aceitar isso nos coloca em maus lençóis…
O pensamento fractal com expoentes, em que a escala muda, mas a proporção não é uma maneira de “domar” alguns cisnes negros. Contudo, como não podemos saber de tudo que não sabemos, Taleb usa a analogia de cine cinza, para não esquecermos que sempre pode haver um cisne negro à espreita.
Ainda, o autor faz uma crítica a teoria moderna de portfólio de Harry Markowitz e William Sharpe. Eu gostaria que ele fosse mais enfático na crítica, pois tudo o que ele comenta é que ambos pressupõem que a curva normal é base da teoria e, como já explicitado no livro, Taleb argumenta que o mercado pertence ao mundo Extremistan.
Parte IV - O fim
Ter muitos dados não prova confirmação, basta uma análise imprevisível para pôr em ruinas tudo o que se acreditou até então. Ser cético é uma tarefa difícil, onde traçar o limiar? Você terá mais controle da sua vida se decidir por si só… estou segura de que ele acredita que a terra é redonda.
Ufa! Quanta informação. No primeiro livro que li do Taleb ele já introduz suas ideias de aleatoriedade, mas a expressão “cisne negro” tem muito mais do que a “cultura popular” apresenta. Como sempre, a leitura é pesada e reflexiva… Fiquei um pouco sem rumo em como abordar “na prática” o fato de não sabermos o quanto não sabemos… é aí que entra a leitura bônus!
Não resolveu muito meu problema…, mas essa foi a intensão de Taleb ao fazê-la!
Vamos lá que eu destaquei poucos trechos dessa parte (apesar de ser bem longo).
Pós-escrito - sobre a robustez e a fragilidade, reflexões profundas filosóficas e empíricas
Produzido três anos após o livro original, é uma sessão extra que tenta justificar/abordar melhor os pontos inicialmente postos, bem como adiciona uma sessão de “o que fazer agora” (que sabemos que estamos f**.
Não irei detalhar tanto essa sessão, pois me parece repetitiva ao acabar de ler o livro na íntegra. Contudo, vale pontuar algumas passagens interessantes.
Após críticas, Taleb pontuou que ele mesmo caiu na falácia da evidência silenciosa ao citar a história arábica. Ele não se deu conta, e essa parte é importante relembrar, que a história passada também muda quando encontramos novas evidências. Por isso, até o passado é uma previsão!
Outra remark (lembrar da história das elefantas mais velhas que sobrevivem a uma seca terrível porque já viveram outra seca) é que ser velho (ou antigo) não significa a perfeição! Evidentemente é melhor (temos mais dados!) mas não significa que temos toda a informação necessária.
Isso nos leva ao ponto de aprender com a Mãe Natureza em todos os aspectos que pudermos, pois ela sim é o “ser mais antigo”. Por isso, devemos evitar a especialização (que limita a evolução e enfraquece os animais) e buscarmos sempre sermos flexíveis em nossos conhecimentos e afazeres.
A globalização é citada também como um ponto de atenção pois a dependência entre países em uma rede tão tênue pode ser, ao final, menos eficiente do que parece. Sua posição não é totalmente anti-globalista. Ao contrário, algumas páginas depois ele coloca: “a mãe natureza não limita as interações entre os indivíduos, mas limita o tamanho das unidades”. Assim, aponta que, o mais importante é controlarmos para que não haja uma grande empresa (ou pessoa) que seja responsável por grande parte dos movimentos. Grandes empresas conseguem mais facilmente o apoio do governo e se tornam progressivamente maiores… ironicamente até controlarem o governo (uma previsão de Karl Marx)
Sobre dívida. A dívida é delicada e assustadora. Estar em débito significa “dizer algo sobre o futuro de maneira segura” (que você pagará). Assim, emprestamos com base em uma previsão do futuro, que sabemos ser impossível
Stress-tests:uma prática comum são os testes de estresse que assombram Nassim. Professores com
doutorado, mestres e graduandos adoram um teste em que aplicam a pior condição do passado para ver se sua teoria/estratégia é resiliente. Ignorando o fato de que, o pior desvio possível ocorrido em X, não entraria em um teste realizado em X-1.
Sobre aleatoriedade:
- Aleatoriedade verdadeira: Deus jogou uma moeda
- Limitação epistêmica: resultado depende de um conjunto de conhecimentos que não temos
- Incerteza ontológica: o futuro não depende do passado (eventos não relacionados)
Quanto mais remoto um evento, menos dados poderemos obter sobre ele e mais dependemos da teoria (não podemos calcular probabilidades). Na vida real, nem temos interesse na probabilidade… Não somos capazes de observá-la, pois podemos apenas perceber eventos (que ocorreram) e quais as consequências deles. Se um evento raro pode causar um grande dano, desejo evitá-lo. Como o mundo é Extremistan, quão raro o evento, maior sua consequência. E, para ilustrar os desvios desse mundo real ele nos relembra:
· Menos de 0,25% das companhias listadas no mundo são responsáveis por metade da capitalização de todo o mercado; menos de 0.1% das drogas, geram pouco mais do que metade do faturamento das farmacêuticas;
· 0.1% dos eventos de risco causam mais da metade das perdas
Sistemas complexos: um sistema complexo é caracterizado pelo alto grau de interdependência entre seus elementos, tanto temporal (uma variável depende de mudanças passadas), quanto horizontal (variáveis dependem uma das outras) e diagonal (variável A depende do passado de B). A complexidade implica em sistemas do Extremistan.
Finalmente, ele nos Brinda com “regras de sabedoria”:
- Tenha respeito pelo tempo e por conhecimento não demostrado
- Evite otimização, ame a redundância
- Evite predições de eventos improváveis com baixo impacto
- Esteja ciente da “atipicalidade” de eventos remotos
- Cuidado com pagamentos bônus
- Evite métrica de riscos
- Busque pelos cisnes negros positivos
- Não confunda falta de volatilidade com falta de risco
- Cuidado com apresentações de risco numéricas
O final do livro traz o SPOILER de Seneca, que prega o estoicismo da maneira mais profunda. Esta filosofia diz que, para lidar com a perda, devemos nos desapegar totalmente de todos os nossos bens, eliminando assim a aversão à perda. Levar a ideia ao limite, significa que nada que é tirado de nós é “bom o suficiente que nos cause dor”. O preparo de Seneca era tão perfeito que tirou a própria vida sem titubear para fazer jus a seu ponto de vista.
Depois desse final, só me resta acelerar a leitura para conseguir “entregar” o próximo livro em tempo!