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Além da religião

O livro ALÉM DA RELIGIÃO – UMA ÉTICA POR UM MUNDO SEM FRONTEIRAS (Beyond Religion: Ethics for a Whole World) tem como autor Sua Santidade, o 14º Dalai Lama do Tibete.

Apesar de ser o líder espiritual do povo tibetano, TENZIN GYATZO passa a primeira parte do livro discorrendo sobre como a visão dos valores éticos da humanidade deve ser tratada com uma abordagem ampla, sem ser ligada necessariamente à religião. A segunda parte do livro, já mais introspectiva, finaliza com ensinamentos básicos de meditação. Para quem quer aprender mais sobre meditação pode ser um bom início, mas para um resumão dos pontos dessa lenda…

 

Vem comigo!

 

Abaixo, preparei um resumo completo de cada uma das parte do livro destacando os principais pontos de S.S Dalai Lama quanto aos ensinamentos da ética no mundo moderno.


Resumo

Este livro me fez refletir especialmente como me comporto diante de sentimentos como a raiva e a insatisfação. O líder espiritual nos ensina que a inteligência emocional é a chave para nos sentirmos mais felizes, mas também para termos um mundo povoado com pessoas mais éticas.

 

A ética, tema central do livro, deve ser dita “secular” termo que emprega para enfatizar que não deve estar associada necessariamente a nenhuma grande religião. Em sua crença, o homem é naturalmente bom, e busca pelo alívio do sofrimento de si e dos outros. Assim, se cultivarmos uma sociedade que prega por valores já inatos em nós, alcançaremos um “estado de paz”.

Sua visão, apesar de idealista, é bem argumentada ao longo dos capítulos, que nos fazem refletir sobre nossas próprias ações mundanas. Observar o próprio comportamento, pensamento e sentimento é um tema recorrente nos livros que quero trazer para o RESENHEI, e com este não poderia ser diferente. Um mundo mais ético depende que tomemos decisões corretas, que ajamos conforme nossos princípios e que busquemos o “bem”.

Introdução

Sua Santidade o Dalai Lama abre seu livro apontando porque é otimista em relação a humanidade. Graças ao estudo e avanços tecnológicos, grande parte do mundo não sofre com doenças fatais, os direitos humanos são defendidos em escala global e o reconhecimento da igualdade humana é crescente. Contudo, ainda há muito sofrimento, tanto em países pobres quanto nos ditos desenvolvidos. Para ele, o problema fundamental é que ainda damos muito valor a aspectos materiais e externos da vida, deixando de lado nossa ética moral e valores internos.

 

Qualquer sistema só pode ser eficaz se as pessoas responsáveis por sua implementação também forem competentes para seguir as regras e padrões determinados. A religião, como um sistema de crenças também se enquadra nessa reflexão. O fato é que nossos problemas nunca irão se resolver com mais leis e regulamentos, precisamos de pessoas compromissadas em resolver as questões que nos afligem. E, ainda que a religião possua potencial para trazer felicidade e sentido para a vida das pessoas, qualquer abordagem que busque resolver os problemas do mundo com base na religião, será insuficiente.

 

Vivemos em um mundo globalizado, em que todos estão interconectados. As culturas, as crenças, a fé. Uma só religião não consegue abarcar tamanha riqueza de pensamentos. A resposta está no cultivo de valores internos universal a todos os seres humanos.

Parte I – Uma nova visão da ética secular

Chegar a um acordo de um conjunto de valores comuns que abarque toda a diversidade humana pode parecer impossível. Porém, Dalai Lama aponta que já existem provas na biologia evolutiva que indicam que o altruísmo e a preocupação com o bem-estar dos outros é algo inato do ser humano.

 

O termo secularismo é empregado pelo autor como uma maneira de mostrar profundo respeito a todas as religiões, inclusive com aqueles que não tem uma fé, algo cada vez mais comum na história recente em que a religião passou a ser vista por muitos setores da sociedade como um empecilho para o desenvolvimento humano. Apesar de discordar desses setores da sociedade, Dalai Lama pontua que é inteiramente compreensível esse pensamento, ainda mais diante dos diversos escândalos envolvendo todas as comunidades de fé em alguma parte do mundo com ações de exploração ao próximo e incentivo ao conflito. É importante relembrar que as grandes tradições de fé pregam a compaixão e o bem-estar humano, e as instituições falhas refletem os defeitos próprios humanos em seguir seus valores.

 

Com a globalização, o mundo se vê cada vez mais interconectado, com maiores chances de cada pessoa conhecer alguém de outra raça, cultura ou fé. Infelizmente, as tensões sociais têm se agravado em várias partes do mundo, ao invés da tolerância ter triunfado. A abordagem secular vem justamente para abarcar a todos, e não apenas a um grupo religioso.

 

Religiões teístas baseiam-se na crença de um único Deus que é amor e compaixão infinita, e amar os outros é amar a Deus. Já crenças não teístas vêm nossas ações (karma) como um fluxo de consequências interminável. Em ambas escolas o viver de forma ética está ligado à salvação/libertação tornando inseparável as aspirações espirituais da prática do “bem”.

 

Para aqueles que não tem fé, a ética ainda é um caminho. Pois, ainda que se possa viver sem religião, não é possível viver plenamente sem um conjunto de valores internos. Neste ponto, sua santidade faz uma metáfora belíssima: a ética é como a água que precisamos beber, e a fé como o chá. O chá é feito essencialmente de água (valores) e nossas crenças são os temperos e sabores que adicionamos a ele.

Há aqueles que acreditam que o homem é naturalmente violento, mas o autor acredita que somos predispostos à gentileza e ao amor. Assim a ética não seria um conjunto de regras criado por um grupo de pessoas, mas sim uma resposta inata de seguirmos nossa natureza (de bondade).

 

Para o autor, nossa natureza humana, e o que nos diferencia dos outros seres sencientes é a nossa necessidade de compartilhamento e de interdependência. É isso que nos define como “seres sociais”. Ainda que com desejos específicos, todos buscamos experiências agradáveis, a fuga do sofrimento e almejamos a felicidade. É isso que nos une, e é isso que devemos focar para atingir a ética secular.

 

Para Dalai Lama, uma “prova” de que somos propensos ao bem é justamente nossa afinidade, que permite que compartilhemos e sintamos alegrias e dores que não são nossas. Assim, a busca pela felicidade transforma-se não só em um ato individual, mas também na vontade de fazer o bem para outros.

 

Infelizmente, o sofrimento é inevitável. A fim de manter nossas esperanças na felicidade futura, desenvolvemos a fé e para sustentá-la, fazemos orações. Orações são um caminho para a manutenção da saúde mental e não precisam ser vistas como uma prática exclusiva de pessoas religiosas.

 

Alcançar a felicidade não é simples, e podemos destacar três perspectivas para a felicidade:

 

  • Riqueza ou prosperidade
  • Saúde
  • Amizade ou companheirismo
 

Em todas essas três dimensões uma mente forte e preparada é chave para contribuir para o caminho da felicidade plena. Devemos estar atentos com a busca errônea da felicidade meramente sensorial e transitória, causada por exageros principalmente ligados ao primeiro ponto da riqueza. É comprovado pela ciência que adquirir um bem novo causa uma satisfação momentânea e não é nisso que devemos focar se queremos ser plenamente felizes.

 
O ponto central do livro é trazer a ética para um diálogo amplo que abarque todos os homens. Para isso, o foco é trazido para o desejo de fazer o bem que nasce do fato de termos o afeto como uma característica inata humana. Vários estudos científicos demonstram como o afeto na infância resulta em seres (humanos e outros animais) mais capazes e seguros. Já é comprovado inclusive que o cultivo deliberado do amor e da compaixão reflete em mudanças mentais, físicas e de DNA humano (nos telômeros).
 
A compaixão pode ser vista sob uma ótica inata, biológica, restrita ao nosso círculo social mais próximo ou mais extensiva. Infelizmente, temos a tendência de praticar a compaixão em pequenos grupos, iniciando na base familiar e chegando a afinidades de língua, cultura ou fé. Isso acaba por gerar um sentimento de NÓS x ELES. Por isso o livro aborda tanto a questão do NÓS, SERES HUMANOS.
 
Enquanto a globalização e as migrações entre países geram sim conflitos do tipo NÓS x ELES, quanto mais dialogamos sob uma ótica NÓS, HUMANOS, mais podemos alcançar um senso de pertencimento e comunidade global. Isso já se mostra diante de várias tragédias que assolam um determinado país e recebem a compaixão e a ajuda de vários outros países/voluntários.
 
Compaixão é o desejo de agir e aliviar o sofrimento dos outros. Isso nos dá um senso de propósito e direcionamento, o que é positivo para o indivíduo e, consequentemente, para a sociedade.
 
É preciso apontar que compaixão e justiça podem andar juntos, desde que o conceito de justiça seja esclarecido. Justiça, em um sentido amplo, é um preceito universal de reconhecer a igualdade humana, e no sentido estrito é o cumprimento das leis. É preciso ser vigilante para que o sentido estrito não padeça sob interesses limitados de grupos (como o apartheid na África do Sul) que não respeitam essa igualdade. Finalmente, a justiça não pode ser vista como um mero sistema de punição vingativo. Pelo contrário, ela deve fomentar a punição que coíba a reincidência no ato falho. O ser humano é capaz de mudar e por isso a punição deve ter limites. Por esse motivo, o autor se declara contra a pena de morte.

 

A compaixão deve ser dirigida ao ATO e não ao AUTOR. Punições extremamente severas e que não colocam a possibilidade de mudança não geram nenhum bem para a sociedade. Um exemplo de punição altruísta é descrita tanto por Dalai Lama quanto por Richard Thaler em um jogo modelado para testar hipóteses econômicas. Para Dalai Lama, o jogo ilustra como uma punição que não busca pela vingança, mas pela correção do malfeitor é positiva.

 

Para práticas de punição altruístas é necessário que aprendamos a perdoar. Como não temos controle sobre o passado, é essencial que respondamos às ações negativas no presente com uma postura de perdão, que liberta nossa mente.

 

A vida moderna nos traz a oportunidade de fazer diversas escolhas, contudo, nem sempre é possível refletir sobre todas as consequências possíveis, especialmente para a reflexão ética de cada decisão. Assim, é útil termos internalizado certas regras que orientem nossas ações. Quando essas regras são introduzidas desde cedo, tornam-se parte do sistema de valores internos de uma pessoa.

 

(Lendo essa passagem é incrível como sintetizam ideias presentes tanto em O PARADOXO DA ESCOLHA quanto passagens de PRINCÍPIOS)

 

A cultura dominante de um povo pode ajudar na formação natural desses valores. No Tibete, por exemplo, país natal do autor, várias leis são dedicadas à proteção da fauna e flora pois os próprios tibetanos possuem essa diretriz devido ao princípio budista de evitar causar dano aos animais.

 

Para nos guiar nas decisões, é importante termos discernimento de quais ações são prejudiciais para nós e/ou para os outros e quais ações causam benefício para a sociedade. Ter uma visão ampla, afastar-se do problema e refletir faz-se necessário para que encontremos soluções, e não apenas mais problemas. Quando o infortúnio cai sobre nós, temos a tendência de culpar os outros ou ações específicas, quando na verdade um conjunto de causas devem explicar o problema. Assim, é preciso ter calma para identificar as causas e aceitar a incerteza que permeia nossas vidas.

 

Os problemas, o infortúnio e o sofrimento humano são produto de ações humanas, erros humanos. Naturalmente existem tragédias ambientais que podem não estar relacionadas diretamente com a humanidade, mas cada vez mais o homem impacta o planeta e a natureza responde. Assim, cabe a nós, humanos, a responsabilidade de achar soluções para toas as questões que nos assolam.

 

Mas, será que temos capacidade para enfrentar esse problema? Entre todo o otimismo de Dalai Lama, uma pergunta escondida entre parágrafos reflete: o avanço tecnológico tremendo que passamos nos últimos 200 anos é assombroso. Contudo, nosso cérebro não apresenta nenhuma diferença nos últimos 5 mil anos. Estamos à altura desse desafio?

 

Dentre os nossos problemas mais recorrentes está a guerra e o conflito. Enquanto no passado as batalhas sangrentas podem ser “justificáveis” isso não ocorre mais no mundo globalizado em que TODAS as nações dependem uma das outras. Todos estamos interconectados, e qualquer ação que pregue a violência não é a resposta. As conquistas de grandes nomes como Martin Luther King Jr e Mahatma Gandhi são um exemplo que, para corrigir a injustiça a melhor abordagem é pregar a não violência.

 

Outra verdade avassaladora é que nosso estilo de vida não é autossustentável. Assim, é urgente que países em desenvolvimento como China, Índia e Brasil não embarquem nas mesmas ferramentas que “desenvolveram” os países hoje “desenvolvidos”. É urgente a abertura de cooperação e diálogo para encontrar um modelo que não destrua nossa própria existência. O modelo capitalista, sem dúvida é excelente para criar riqueza, mas péssimo em distribuí-la, uma vez que é motivado apenas pelo lucro e não pela ética. As microfinanças apresentam uma linha sustentável e ágil para lidar com esse problema.

 

É admirável como a filantropia vem ganhando adeptos. Ainda que não seja a solução do problema, certamente é um ponto a ser destacado nesse livro. Pessoas altamente capacitadas (ou seriam sortudas?) que ganharam dinheiro em um sistema capitalista mas gastam ele como socialistas!

 

Todos esses problemas evidenciam como a ética pode guiar a maneira como encontramos soluções verdadeiras e duradouras para nossos problemas. Como dito desde o início a ética deve ser tratada com uma abordagem secular, ampla que aborde todos. Antigamente a religião possuía uma influência gigantesca na sociedade e inclusive na educação. Isso já não é mais verdade, assim, devemos procurar não só essa abordagem inclusiva, mas também planejar como inseri-la nas escolas para que a discussão seja criada desde a base do desenvolvimento intelectual da sociedade.

 

A primeira parte do livro encerra-se com um questionamento válido e uma lição para todos os pessimistas de plantão (eu me incluo aqui):

Parte II – Educando o coração através do treinamento da mente

A busca por uma vida de valores sólidos que orientem a ética pode ser dividida em três dimensões:

 
    1. Ética da restrição: em que nos abstemos de fazer mau aos outros;
    2. Ética da virtude: buscar fortalecer ativamente nosso comportamento positivo;
    3. Ética do altruísmo: dedicar nossas vidas aos bem-estar dos outros.

Em todas as três dimensões devemos nos certificar que nosso corpo, fala e mente estão fortificados para alcançar nosso objetivo. Assim, devemos recorrer a ferramentas que nos ajudem, são elas:

 
    1. Atenção: ter cuidado e estar atento às nossas ações
    2. Presença mental: gerar consciência sobre nossos padrões de comportamento, incluindo pensamentos e sentimentos e aprender a abandonar pensamentos/emoções negativas;
    3. Consciência introspectiva: observar continuamente nosso comportamento enquanto ele acontece e colocá-lo sob controle, assim, nos protegemos de cometer atos dos quais iremos nos arrepender mais tarde.
O autor pergunta-se se diante de tantas reflexões sobre atos, mente e sentimentos, somos de fato capazes de exercer controle sobre nossa mente. Na visão dele, ainda que tenhamos predisposição a certos comportamentos, sejam eles fruto de combinações genéticas ou produto do meio social, com prática é possível mudar.
 
É importante ressaltas que os sentimentos ditos negativos (como a raiva) não são destrutivos em si, causam destruição apenas quando são desproporcionais à situação, nos levando a chegar a conclusões distorcidas da realidade e obscurecendo nosso discernimento. Assim, quando se diz em buscar uma mente forte não é com o intuito de suprimir qualquer sentimento “negativo”, mas de controlá-lo e não deixar que ele gere ações destrutivas para o mundo.
 
Assumir uma postura que busque diminuir sentimentos negativos e potencializar positivos traz não só felicidade, mas paz interior e alegria de seguir com nossos valores de eliminar o sofrimento das nossas vidas e do nosso ambiente.
 
Identificar as causas que disparam os sentimentos negativos é essencial, para isso devemos compreender que essas estão mais ligadas ao nosso interior do que exterior. Se fosse o contrário, então a percepção de todos os seres humanos sobre um determinado acontecimento seria exatamente igual, como isso não acontece, podemos salientar que, a maneira como reagimos emocionalmente sobre determinada situação depende da nossa própria atitude emocional.
 
Assim, para cuidarmos primeiramente de nós, ter consciência emocional faz com que observemos os gatilhos das emoções e ações (físicas ou verbais) destrutivas. Manter a atenção plena é árduo, mas com prática podemos ficar menos sensíveis a tais estímulos.
 
Além dessa busca, devemos ser capazes de suportar o sofrimento. Para isso devemos exercer a paciência, a tolerância, o autodomínio e praticar o perdão. Quando temos paciência, admitimos que um ato falho (nosso ou de outrem) não é gerado exclusivamente pela pessoa, mas é um conjunto de fatos que contribuem para o ato, aprendemos então a distinguir ATO de AUTOR. Outro ponto positivo que a paciência nos traz é a aceitação do sofrimento (ou da realidade), não como uma forma letárgica de encarar o mundo, mas racional e calma. Se um problema tem solução então não deve ser motivo de preocupação excessiva, e se não há solução, preocupar-se só trará angústia. Assim o sofrimento é apenas uma face da realidade, e não uma angústia.
 
A paciência nos leva à tolerância e ao contentamento (capacidade de encontrar satisfação sem cobiçar nada mais). Ganhamos domínio dos nossos atos e palavras, e praticamos a autodisciplina, para encarar os fatos do dia-a-dia com leveza e sabedoria.
 
Já foi citado anteriormente sobre a filantropia, mas o autor retoma o conceito para enfatizar o quão importante é praticar a generosidade e doar-se para os outros. Ainda que a filantropia seja vista apenas como uma ação possível para os super ricos, qualquer um pode e deve praticá-la como um ato de servidão ao próximo, e descobrir que essa atitude corrobora com a ética secular de causar bem para si e os demais.
 
O último capítulo do livro encerra com ensinamentos práticos de como realizar o cultivo mental através da meditação. Resumir essa parte seria inadequado, e se o leitor aproveitou a reflexão sobre ética e a importância de ter uma mente forte, acho extremamente válido que ele embarque em uma longa jornada de meditação.
 
Acredito que existem vários livros que ensinem técnicas mais detalhadas ou aplicativos, mas como nunca usei nenhum, vou me abster de recomendações… Se alguém pratica medição e tem alguma sugestão, fique à vontade para deixar o seu comentário!
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