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Misbehaving

Mais do que um convite à reflexão dos nossos comportamentos “contraditórios”. o livro MISBEHAVING do autor RICHARD THALER, é o compilado da crítica da economia tradicional, que olha a humanidade sob uma ótica simplista do capitalismo formado de econs e narra como a economiza comportamental ganhou palco entre os estudiosos. 

Hoje, depois de muitos livros, estudos e nobeis, ainda é uma corrente que (na minha visão de fora) ainda luta para ser a “mais aceita”.

 

Vem comigo… para essa aula de história de uns dos pensadores mais influentes da economia comportamental! 

Primórdios: 1970-78

A economia é uma das ciências sociais com maior influência nas políticas públicas. Apesar de uma graduação específica ocorrer para “cientistas sociais”, eles são timidamente convidados a sentarem-se à mesa das grandes discussões e decisões. A “ciência econômica” não é somente bem quista, o fato dela ter um “nó central imutável”, uma fundação sólida que a diferencia das demais ciências, talvez atraia o “público geral”, ávido por uma verdade simples e única.

A premissa central da teoria econômica é que as pessoas escolhem por otimização.

Aqui Thaler já inicia a cunhar seu termo de Econ: o ser humano da teórica econômica que escolhe imparcialmente, tendo apenas expectativas racionais.

Se escolhemos por otimização (pois nosso orçamento é limitado), o livre mercado encontra equilíbrio naturalmente, pois a oferta (o preço) encontra a demanda (o resultado da otimização) no ponto econômico ideal.

Se já discutimos em O PARADOXO DA ESCOLHA que uma ida ao mercado pode ser extenuante devido a miríade de produtos que nos é apresentada, e com RAPIDO E DEVAGAR iniciamos nossos estudos sobre os vieses que nos atacam (e olhe que nem estou citando marketing direcionado!), já podemos vislumbrar como se dará a crítica que Thaler construirá ao longo dos seus anos como acadêmico “contra” a teoria econômica.

Os cientistas econômicos comportamentais, um espécime ainda raro, que se encontra entre o cientista social, o psicólogo e o economista tradicional, tem ganhado algumas batalhas nas decisões de políticas públicas. Em 2010 o Reino Unido criou uma equipe oficial e outras nações podem embarcar nessa nova abordagem.

Os pensamentos “heréticos” de Thaler começaram na pós-graduação. A tese do autor, “Quanto vale uma vida” tenta mensurar o valor de investimentos públicos para salvar vidas (estima-se que 7 milhões de dólares por vida salva seria um bom trade-off). Inspirado por Schelling, que demonstra que raramente deixamos que uma “vida identificada” morra e vidas “não identificadas” se esvaem todos os dias sem maiores comoções (caso de: menina fulana de tal tem câncer X todas as crianças com câncer). A ideia de humanos X econs começava a nascer.

Efeito posse: o mesmo que o viés do enquadramento. As pessoas supervalorizam coisas que fazem parte de sua posse o que coisas que tem “o potencial de” (Acessíveis, mas não possuídas)

Custo de oportunidade: aquilo que renunciamos ao exercer determinada atividade.

Econs não deveriam “sentir” o efeito posse. Os exemplos da garrafa de vinho do professor Rosseti, do jogo de basquete ganhou ou pago versus enfrentar uma nevasca, de pagar por um antídoto ou para “ser envenenado”… todos culminam no mesmo fim: a discrepância entre compra e venda que não está em ordem com a teoria econômica.

Por intermédio de Fischhoff, Thaler fica sabendo sobre a teoria do viés da retrospectiva de Kahneman e Tversky. É assim que o autor encontra explicação para sua lista de “comportamentos heréticos”, que não podiam ser explicados pela teoria econômica, e eram vistos como “fatos irrelevantes”.

Viés da retrospectiva: após algum acontecimento, as pessoas passam a acreditar que o resultado de tal ocorrência sempre fora previsível, até mesmo que essa era a conclusão antecipada por todos.

Viés da disponibilidade: diante da capacidade mental limitada, a resposta para uma pergunta provém não da análise real do problema, mas da disponibilidade recente da nossa vivência pessoal

Os vieses indicam que nossos erros são, em certa medida, previsíveis. Não sendo aleatórios, não se anulam. Assim, a teoria econômica, que fiava que seus erros eram desprezíveis por serem aleatórios, não poderia ser mais dominante.

Teorias normativas: jeito correto (logicamente consistente) de pensar sobre um problema

Aversão ao risco de Bernoulli: a utilidade (felicidade) aumenta à medida que a pessoa fica mais rica, mas em uma taxa decrescente.

Ampliando a teoria de Bernoulli para a perspectiva de Amos e Danny, temos que as pessoas tem aversão ao risco na procura por ganhos, mas buscarão o risco para perdas. Isto é, a curva de sensibilidade não é simétrica. De maneira grosseira, perder dói 2x mais do que ganhar (aversão à perda)

Quando estamos adaptados ao ambiente, tendemos a ignorá-lo

Lei de Weber-Fechner: a diferença infinitamente perceptível em qualquer variável é proporcional à magnitude dessa variável. (um adulto de 90kg perder 1kg não é tão evidente quanto a um de 40kg)

Nesse trecho do livro Thaler também evidencia o “ranço” que os economistas clássicos têm de questionários e pesquisas feitas para coleta de evidência. Muitos economistas não acreditavam/acreditam no estudo do “intensão” (perguntar o que a pessoa faria se) e diminuem os estudos dos economistas comportamentais. Coube a esses, levantar cada vez mais evidências de atos realizados (e não meramente declarados) que as falhas da teoria econômica são maiores do que pensamos.

A teoria clássica frequentemente critica a comportamental, pelos experimentos reais de baixos valores (não que alguém possa fazer muito para mudar isso) e que o econ tomaria “a decisão correta” com quantias relevantes. O contra-argumento é que para otimizar e tomar boas decisões, precisamos de experimentação, através do erro melhoramos até chegar em um estado cada vez melhor. Contudo, grandes decisões financeiras que também impactam a economia (comprar uma casa, um carro…) são feitas poucas vezes na vida de um consumidor. Assim, a otimização não poderia ser usada em grande escala.

Contabilidade mental: 1979-85

Thaler queria responder a seguinte pergunta “como as pessoas pensam no dinheiro?”. Para ele, estava claro que não éramos econs. Mas o que significa “ser humano”? (dentro da economia, e não como uma resposta filosófica).

Por meio de vários exemplos, ele nos lembra que a perda é 2x “maior” que um ganho. Isso afeta a forma como tomamos decisões. A compra de produtos sem utilidade, apenas porque o “negócio parece bom demais para deixar passar a oportunidade” faz com que gastemos dinheiro sem necessidade (isso não é otimização!). Alguns bens sempre estão “em promoção”, como colchões, pois são compras esporádicas difíceis de avaliar. Outros setores precisam fazer promoções corriqueiramente, e flutuar os preços, simplesmente porque a política “preço baixo todo dia” não ascende o gatilho do desejo/impulso de compra no público em geral.

Quando você faz uma transação sem nenhuma utilidade (ou desutilidade) não sente o preço da compra como perda. Você paga para ter o prazer de usufruir o produto. Quanto mais usamos um produto, melhor nos sentimos em relação ao valor despendido pela sua aquisição.

Uma vez que você entende um problema comportamental, pode inventar uma solução comportamental. A contabilidade mental nem sempre é um jogo de tolos.

A contabilidade mental é o que fazemos para “organizar nossa conta monetária”. Se rotulamos o dinheiro, olhamos para cada pote de maneira separada. Não deveria ser assim. O dinheiro deveria ser gasto da forma que melhor se alinha a preencher os interesses de cada um, e não para atingir metas individuais (ex. se um mês estourei o orçamento do supermercado e não do lazer, deveria parar de comprar comida e gastar o dinheiro do lazer em lazer).

Pessoas que estão à beira de grandes perdas e tem uma chance de sair no zero a zero ficam extraordinariamente propensas ao risco, mesmo que normalmente tenham aversão a ele.

Autocontrole: 1975-88

A economia moderna ignora a distinção entre o que queremos versus o que escolhemos. As preferências são definidas pelo que escolhemos. As escolhas revelam preferencias.

A teoria econômica ignora a dificuldade humana de se autocontrolar.

Os humanos tendem a acreditar que o consumo AGORA vale mais do que no FUTURO. É por isso que fazemos análise do fluxo de caixa futuro *descontado*. Surpreendentemente (?) animais exibem o mesmo padrão de desconto hiperbólico e tem problemas de autocontrole.

O autor, tentando organizar as ideias até então apresentadas, explica que propôs À época um modelo dual para explicar nosso comportamento. Todos nós somos “compostos” de um “planejador” (se importa com o futuro) e um “fazedor” (importa-se com o agora). A decisão é tomada sempre em batalha entre esses dois “eus”.

Interlúdio

O excesso de confiança é uma força muito poderosa

Trabalhando com Danny: 1984-85

Em seu ano trabalhando juntamente com Khaneman, Thaler conta as divagações, discussões e experimentos que teve com seu colega.  Os primeiros exemplos dessa sessão abordam o tema justiça, e demonstram como a situação pode parecer justa (ou injusta) a depender não do resultado em si (ou seja, a quem favorece/prejudica) mas também pela forma como é formulada.

As pessoas não gostam de ofertas injustas, e estão dispostas a assumir perdas financeiras próprias para punir aqueles que as praticam. (Jogo do Ultimato)

Interações com economista: 1986-94

Em sua modéstia, Thaler buscou colher as evidências que a economia podia sim beber da fonte da psicologia para aperfeiçoar seus modelos. Em seu livro, diz não ter tido pretensão de se autointitular revolucionário. Mas, certamente, como ele mesmo afirma, sonhava com a mudança de paradigma necessária no campo da economia. Tudo começou a mudar no final da década de 80.

Nessa década ele iniciou uma coluna de anomalias, pois Khun cita na Estrutura das revoluções científicas, que toda grande revolução começa com a consciência da anomalia. Mais do que isso, quando as anomalias (ou os fatores irrelevantes) começam a despontar aos montes, o atual modelo começa a ser colocado em xeque. Até então, todas as decisões “anti-econs” eram vistas com desdém, e a coluna (trimestral, que durou 4 anos) de Thaler catalogou vários comportamentos anômalos, pode ser vista como o estopim e o início da consolidação da teoria econômica comportamental.

Viés da confirmação: As pessoas tendem a buscar confirmação da teoria, e não refutar a teoria. O caminho científico deve ser construído para refutar a teoria!

A estrutura organizacional atual vai contra a necessidade real das empresas em gerar lucro. Trazer grandes ganhos para a empresa é recompensado de maneira modesta. Trazer grandes perdas faz com que você seja demitido. Assim, os gestores tendem a se tornar largamente avessos aos riscos. (ex. dos gestores que não escolhem o projeto porque CEO não olha para o todo, e sim individualmente para cada um).

A regulamentação que obrigou as lâminas dos fundos apresentarem os resultados anuais antes dos mensais diminuiu a rotatividade do dinheiro dos investidores, e o %alocado em ações aumentou. Esse comportamento corrobora a aversão à perda, já que fundos de ações são mais voláteis, mas no agregado anual tendem a apresentar melhor performance.

Finanças: 1983-2003

A tese de doutorado de Michael Jensen evidenciou que os gestores financeiros profissionais (vulgos especialistas) não têm desempenho melhor que a média do mercado. Se os profissionais não “ganham”, quem ganha?

A sabedoria mundana ensina que é melhor para a reputação falhar convencionalmente do que ter êxito sem ser convencional

O autor segue com vários exemplos de casos específicos no mundo do mercado financeiro, especialmente aplicado a ações de como a teoria econômica de “o preço está certo” e “mercados eficientes” é falha.

Em vez de esperar a reversão à média, as pessoas tendem a esperar que o que sobe continuará subindo.

“Se os responsáveis pelas políticas simplesmente interpretam literalmente que os preços estão sempre certos, jamais poderão ver qualquer necessidade de ação preventiva. Mas quando reconhecemos que bolhas são possíveis, e o setor privado alimenta o frenesi, pode fazer sentido que os responsáveis pelas políticas se inclinem contra o vento de alguma maneira.

Bem-vindo a Chicago: 1995 – presente

Atuando em Chicago, o autor nos apresenta o problema das canecas e do Teorema de Coase, que diz, de maneira rudimentar, que “as canecas devem terminar com quem mais gosta delas”. Contudo, com o efeito posse entrando em ação, o teorema falhava. A demonstração das canecas ajuda a refutar ideologias como a de John Lott, que defende nos EUA a ideologia de “mais armas, menos crime”.

Vale lembrar que “a escola de Chicago” é o berço da teoria econômica, e agora, o autor estava na cova dos leões. Um dos casos mais curiosos que ele conta é da escolha das salas pelos professores no novo prédio da faculdade e dá detalhes sobre as loucuras nada economicamente coerentes com a teoria tradicional, que ocorrem com as escolhas da NFL (o que nos lembra Moneyball, a arte do jogo).

As lições da psicologia da tomada de decisões que não podemos esquecer são:

1)     As pessoas têm excesso de confiança, e propensas a achar que sua capacidade é superior à dos demais

2)    As pessoas fazem previsões extremas demais, somos mais propensos a chutar nos extremos que na média

3)    A maldição do vencedor faz com que o “vencedor” seja quem mais supervaloriza algo

4)    O efeito do falso consenso, que faz com que pensemos que todos compartilham das nossas preferências pessoais

5)    Viés do presente, nossa pré-disposição de valorizar mais o hoje do que o longo prazo

É também nessa sessão do livro que ele apresenta o caso do programa de TV holandês que resolveu o problema dos economistas comportamentais em testar as hipóteses de alto valor em apenas “perguntas de laboratório”. O jogo era real, com valores reais e os pesquisadores puderam analisar as decisões de fato tomada por vários jogadores ao longo de várias temporadas. Isso permitiu corroborar a teoria da perspectiva de Danny e Amos, além de gerar mais insights para os fatores irrelevantes de Thaler, principalmente no que diz respeito à trajetória do jogador ao longo da “partida”.

As pessoas estão mais dispostas a mentir por omissão do que por iniciativa. Se estou vendendo um carro usado, não me sinto obrigado a mencionar que o carro está consumindo muito combustível, mas se um potencial comprador pergunta explicitamente, o vendedor provavelmente irá dizer a verdade. Para chegar à verdade, vale a pena fazer perguntas específicas.

Prestando ajuda: 2004 – presente

Essa sessão dedica-se especialmente em demonstrar como a aplicação dos conhecimentos da economia comportamental podem ser utilizados em políticas públicas para moldar as decisões das pessoas. O autor sugere querer ajudar as pessoas, por exemplo, a fazer escolhas melhoras ao apresentarmos dados de aposentadoria de uma maneira diferente. Aqui ele também fala um pouco sobre seu outro livro, Nudge, que leremos mais à frente.

Enquanto alguns taxam o autor de comunista, outros veem traços de liberalismo condicionado. Ele mesmo se auto-define como paternalista. O que significa, ajudar as pessoas a alcançarem seus próprios objetivos. Libertário, seria tentar ajudar sem restringir as escolhas. No paternalismo, você assume que algumas proibições são inevitáveis, pois nenhuma sociedade pode existir sem algumas regras e regulamentos (por essa frase já vemos a diferença de Thaler em relação a defensores do liberalismos como o autor de A bela anarquia).

O nudge é um pequeno elemento no ambiente que chama nossa atenção e influencia o comportamento. Nudge são efetivos para humanos e não para Econs.

Ao ler Nudge poderemos ter uma ideia melhor de como Thaler aplica suas ideias e o porquê dele ser tão “massacrado” ao utilizar suas técnicas em políticas públicas. Sem ler o livro, no momento que escrevo isso, cabe o questionamento, onde estão os mesmos críticos libertários quando se trata no uso de técnicas de marketing e engajamento das redes? Todas essas técnicas de manipulação geralmente são aplaudidas pelos capitalistas ferrenhos… Isto é, quando são usadas em seus negócios, são socialmente aceitáveis, mas quando usadas para a manipulação do povo, para que poupem mais e não caiam nas armadilhas de giros desnecessários de carteira, aí sim são “golpes do comunismo”.

O “nudging” ganhou força no reino Unido em 2008, hoje, não tão ligada à política, não sei se continua. Seguramente a economia comportamental vem ganhando brilho, mas só com a morte dos defensores mais ferrenhos dos econs, e com a instrução de (parte) da população, poderemos ter mais pessoas atentas não só “à arte do nudge”, mas também a todos os vieses que somos acometidos e atrapalham nossa evolução em escolher bem.

Conclusão: o que vem a seguir?

Thaler defendeu que o dinheiro não pode ser visto como uma única coisa, também não é ele o principal impulsionador da motivação humana (como arguiria um Econ). Prever o futuro é impossível, mas o desenrolar dos fatos seguramente nos surpreenderão.

O primeiro passo para derrubar a sabedoria convencional, quando esta está errada, é olhar o mundo ao nosso redor. Veja o mundo como ele é, não como outros gostariam que fosse

Os esforços, de Thales, Danny, Amos e outros desempenharam um papel marcante nos últimos 20 anos, não só da economia, como também da psicologia. Se temos uma lição que podemos tirar desse livro, é que para combater nosso excesso de confiança devemos coletar dados sistematicamente, e comprar nossas predições passadas com os dados. Evitar procurar evidências que confirmem nossas teorias, pois a ciência (e nós) evoluímos por refutação.

Essa leitura foi muito divertida, pois os exemplos do autor são bem esclarecedores quanto aos vieses. Além disso, ao relatar seu histórico com o desenrolar das teorias nos faz refletir como o conhecimento é construído dentro das universidades. Sinto que meus destaques falham em reproduzir as principais ideias, especialmente porque o livro é cheio de estudos de caso longos, o que torna impraticável reproduzi-los totalmente. Este é um dos livros que valerá a pena reler daqui alguns anos… Quem sabe até lá já aprendi a lidar melhor com meu viés da confirmação? 

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