Rápido e devagar
Quando li Rápido e Devagar foi um game changing na minha lista de leitura. Antes, habituada a ter a leitura mais como um hobby de romances e ficções, passei a adicionar tempo lendo grande parte dos livros que venho colocando no Blog.
O livro, escrito pelo Laureado Nobel Daniel Kahneman agrega toda a teoria desenvolvida por ele e seu colega de trabalho Amos Tversky.
Vamos juntos em um resumo que tentar condensar tanto aprendizado em pouco exemplos, que servirão de gatilhos para uma releitura rápida no futuro.
Vem comigo!
Resumo
O livro Rápido e Devagar é o início das discussões que colocam em xeque nossa crença de que somos racionais, que devemos confiar em nossa intuição e que devemos ouvir religiosamente “experts”. É claro, intuição é um ponto positivo que devemos “ouvir”, contudo, muitas vezes ela nos enganar… saber diferenciar um caso do outro não é trivial.
Nós somos extremamente arrogantes quanto a nossa própria capacidade de acertar, prever e atribuir nosso sucesso a nada mais do que a sorte (ou aleatoriedade).
É muito mais fácil identificar o erro dos outros, e Kahneman, ao longo do livro, escreve de uma maneira a testar o próprio leitor, de maneira a provar instantaneamente como caímos nas mesmas armadilhas. O argumento “eu não faria isso se estivesse no lugar de fulano” não pode existir quando somos sinceros na leitura e fazemos os mesmos experimentos que os alunos de MBA.
Parte I - Dois sistemas
O cérebro, é apresentado a nós pelos autores como um binômio. Mas não tradicionalmente como estamos acostumados: lado direito versus esquerdo. Aqui, falaremos do SISTEMA 1 e SISTEMA 2.
SISTEMA 1: opera de maneira rápida e automática, utilizando pouco esforço e sem consciência (vontade ou controle por parte do indivíduo). Detecta a relação e integra informação de apenas uma área (e não múltiplas ao mesmo tempo), não é muito bom com estatística e probabilidades. Podemos dizer que ele é impulsivo e intuitivo.
SISTEMA 2: é quando alocamos atenção para realizar uma atividade, necessitando atenção e concentração. Pode ser descrito como nosso estado de autoconsciência do pensar. É ele quem segue regras, compara objetos e atributos e delibera na escolha da melhor opção. É ele que “é racional”, mas por demandar muita energia, é muitas vezes “preguiçoso”.
O SISTEMA 2 só consegue funcionar quando estamos atentos, e, caso nossa atenção tenha sido desviada, a tarefa em execução é interrompida. Ele interage com o SISTEMA 1, que “sugere” caminhos, intuições e sentimentos. Assim, se o SISTEMA 2 aceita essas dicas, rapidamente elas se tornam em crenças e ações.
De maneira geral, S2 aceita os achismos de S1, com pouca (ou nenhuma) modificação. Assim, S2 só entra mesmo em ação quando S1 não encontra uma solução rápida. Esse caso geralmente ocorre quando nos deparamos com um evento que viola as leis modeladas no nosso S1.
Tudo o que pensamos ou fazemos é dirigido, na maior parte do tempo, por S1. S2 só entra em cena quando S1 entra em pane. Em última instância (após o trânsito em julgado), S2 é quem manda.
Isso nos coloca na mão do S1. O problema, é que ele é cheio de vieses e erros sistemáticos. Isto acontece devido sua própria natureza. Ele é rápido, gasta pouca energia para resolver qualquer problema. Para isso, ele simplifica/generaliza as questões que lhes é imposta. E, o problema mais grave: não pode ser desligado.
Assim, cientes do funcionamento de S1 e S2, nos resta aprender a reconhecer situações em que S1 está tomando a decisão, e esforçar-nos a acionar S2, principalmente em tomadas de decisão envolvendo probabilidades, como veremos mais adiante.
Ainda que nós possamos decidir “o que fazer”, não está sob nosso controle direto o quanto de esforço é empregado na tomada de decisão. “A lei do menor esforço” é válida no detalhe, uma vez que o cérebro escolher gastar menos energia armazenando dados detalhados (por isso simplifica e generaliza). Assim, não só muitas vezes escolhemos a tarefa que existe menor esforço (usamos o carro par andas 3 quaras e não a bicicleta) como também respondemos questões intelectuais usando menos processamento do que de fato seria necessário.
O autor dá diversos exemplos de experimentos que indicam que, quando somos colocados diante de uma tarefa cognitivamente árdua e uma tentação, somos mais susceptíveis à tentação. Da mesma forma, pessoa “cognitivamente ocupadas” são mais egoístas, sexistas e julgadoras do comportamento alheio (juízes cansados e com fome tendem a dar sentenças mais pesadas).
Outro exemplo interessante é com a atenção que temos com outros, se outros estão executando uma tarefa melhor que nós, somos tomados por sentimentos de ansiedade que “roubam” energia computacional.
Ele também pontua a diferença entre Inteligência e Racionalidade. A primeira não pode ser confundida com a habilidade de aplicar a razão, pois também engloba a habilidade de conseguir acionar o S2 quando necessário e não se deixar enganar pelas respostas fáceis de S1.
O nosso sistema cognitivo também é facilmente enganado, pois não consegue distinguir (sem esforço) a diferença entre familiaridade versus verdade. É por isso que uma “falsidade repetida muitas vezes se torna uma verdade”. Para fazer com que “a mentira cole” você nem precisa repetir toda a ideia, basta uma parte dela. Isso facilita que o Sistema 1 tome controle, pois, sem poder validar rapidamente a fonte, ele vai na intuição, que pode ser traduzido também como familiaridade.
Ainda sobre familiaridade e associações cognitivas, o livro também indica que, se você quiser ser persuasivo, deve:
- Ser memorável (try catch frases)
- Use tons de azul ou vermelho. Evite verde, amarelo ou até mesmo tons azuis suaves;
- Maximize a legibilidade
Ser persuasivo é importante, mas também o é reconhecer quando nosso humor toma controle e não nos deixa tomar decisões de maneira “racional”. Quando estamos descontentes cometemos mais falhas pois o Sistema 1 é afetado (e o 2, raramente acionado). Entende os gatilhos que nos atrapalham é essencial nessa jornada de autoconhecimento e tomada de decisão.
As “tomadas de decisão”, por sua vez, baseiam-se em um modelo mental único que cada um de nós constrói. Cada indivíduo tem o seu modelo “normal” de mundo e movimenta-se nesse mapa segundo associações feitas e construídas com base na sua experiência.
Experiência aqui é usada como uma palavra que abrange não só o que é vivenciado diretamente pelo indivíduo, mas também, observado, lido, assimilado… São a somatória dos eventos e circunstâncias que ocorrem com regularidade em nossas vidas e fortalecem esses links em nosso cérebro. Tudo isso determina a nossa percepção do presente e expectativas para o futuro.
O termo regularidade é palavra-chave para compreender o parágrafo anterior. Mais a frente, veremos sobre os vieses da disponibilidade, porém, aqui, os autores já mencionam nossa tragédia em aplicar o pensamento causal em detrimento do estatístico. O grande problema reside no S1, que sempre aposta na resposta com base na experiência (e experiência é moldada tanto pela frequência quanto pela novidade, no sentido de mais recente).
Halo Effect: temos assim, a tendência de gostar (ou não gostar) de uma determinada coisa/pessoa por inteiro, apenas quando conhecemos ou observamos apenas um de seus aspectos. É a famosa “primeira impressão” é que conta. Além disso, a ordem com que observamos e julgamos importa. Se somos apresentados primeiro a características ruins, tendemos a gostar menos da coisa/pessoa, e vice-versa.
Veja o exemplo do livro sobre ambiguidade, contexto e ordem:
Alan é inteligente, esforçado, impulsivo, crítico, obstinado e invejoso.
Ben é invejoso, obstinado, crítico, impulsivo, esforçado e inteligente.
A maior parte das pessoas tende a gostar mais de Alan, mas ambos possuem as mesmas características!
O efeito Halo puxa o gancho para outra frase cunhada pelos autores: “Tudo que vemos é tudo que há”, em inglês, é o famoso WYSIATI (What you see is all there is). A história que contamos para nós mesmos é sempre razoável, e nos faz tomar decisões com apenas parte da informação de maneira confortável, contudo, não deveria ser sempre assim.
Um ponto colocado por Kahneman é que, ao se debater sobre qualquer assunto, o ideal seria que todos se pronunciassem por escrito antes do debate, e só depois o mesmo ocorresse. Isso ajudaria na independência do julgamento, pois as pessoas tendem a concordar mais com os primeiros palestrantes (quando esses são assertivos) e os demais acabam se alinhando com os primeiros.
Nosso cérebro está sempre em alerta. Fazemos julgamentos sem perceber, do ambiente que nos rodeia, das pessoas que cruzam a rua, dos nossos afazeres… tudo isso influencia no nosso humor e, consequentemente, nas nossas decisões!
Ler essa parte sempre me lembra de me policiar para não ficar triste em dias nublados…
Parte II - Heurística e Vieses
Agora Kahneman nos inicia no mundo dos vieses. Vieses são todos os erros que cometemos (geralmente, por “culpa” do Sistema 1) para responder a pergunta mais fácil, é a necessidade de usar a intuição e obter informações complexas exatas, mesmo quando o todo não é revelado.
Parte desses vieses tem explicação biológica e é benéfico para nossa sobrevivência. Se nossos antepassados percebiam um movimento nas folhagens, não cabia a Sistema 2 tomar o controle e ir averiguar calmamente se era o vento ou uma onça. Mais vale seguir o instinto e correr!
Contudo, esses atalhos mentais (heurísticas) têm consequências na nossa tomada de decisão e demonstram que não somos tão nacionais (ou espertos) quanto pensamos que somos.
Segue um resumo dos vieses, com significados e os exemplos que achei mais marcantes:
LEI DOS PEQUENOS NÚMEROS
Pode ser traduzido como nossa tendência de favorecer a certeza sob a dúvida. Assim, acreditamos em uma pequena amostra, mesmo que ela não seja estatisticamente relevante. Exagerando a coerência do que “vemos”, construímos uma narrativa coesa.
Nossa intuição falha nas coisas mais corriqueiras do dia a dia. Se tenho 7 filhas, qual a chance de que o 8º bebê seja um menino? Como cada nascimento é independente, a chance continua 50/50, mas nossa intuição quer gritar que o próximo tem que ser um menino…
Também temos uma tendência em “acreditar mais na história do que na fonte”.
A aleatoriedade pode ser vista como a “falta de padrão”. Nos recusamos a ver o mundo como aleatório.
No entanto, ele é! Muitos fatores que ocorrem são apenas por acaso, mas nós, incapazes de aceitar a aleatoriedade nas nossas vidas somos rápidos em enxergar links causais que, na realidade, são mais fracos do que acreditamos ou simplesmente não existem.
ÂNCORAS
O autor coloca diversos experimentos feitos com as mais diversas nuances e plateias que, quando munidos de um número aleatório, ancoramos nossa resposta para esse número. A Ancoragem pode ser sugestiva ou não. Por exemplo, participantes rodavam uma roleta e tiravam um número X. Depois, perguntava-se a eles algo e a resposta demonstrou tender ao número aleatório X tirado pela pessoa.
Outro estudo com âncoras fixas e distintas (A sequoia mais alta é maior ou menos que 365m OU A sequoia mais alta é maior ou menor que 55m) mostra que os participantes de cada amostra calibram seu palpite (quanto mede a sequoia mais alta?) para números próximos das âncoras (257m e 86m, respectivamente).
Tanto no caso da sugestão quanto da aleatoriedade, o viés de ancoragem demonstrou-se consistente e algo com o qual devemos nos policiar (principalmente em relacionamento de compra e venda!). Nos exemplos de âncora explícita (como a da Sequoia) pode passar uma falsa ideia de que o efeito é pontual, contudo, outros experimentos demonstraram que somos mais influenciáveis do que gostaríamos, desde números aleatórios sobre a mesa até primeiros palpites sugestivos.
DISPONIBILIDADE
É nossa propensão de julgar probabilidades pela facilidade com que exemplos vêm a nossa mente (e não pela aplicação real da estatística).
Como sempre, somos mais propensos também a lembrar e bem avaliar no nosso trabalho do que o de terceiros. Assim, em trabalhos em grupo (ou no casamento) o EU sempre acha que está fazendo mais do que os demais.
Outro ponto que afeta nossa disponibilidade é a frequência com que vemos/ouvimos tragédias. Assim, temos mais medo das tragédias diárias mostradas nos jornais do que do comum (mortes por derrame são mais comuns do que acidentes, no entanto, pessoas se preocupam mais – e pagam mais seguro – para fatalidades midiáticas.
REPRESENTATIVIDADE
Nosso problema com probabilidades muitas vezes ocorre, pois, nossa taxa base é desconhecida ou falseada pelos estereótipos, que vêm tão facilmente à mente (problema do Tom W) e implicam na falácia da conjunção: quando a conjunção de dois eventos (no problema da Linda, ser caixa de banco e ativista) é percebido como mais provável do que um dos eventos (caixa de banco).
A estatística de Bayes diz que a taxa base importa, mesmo diante da evidência. Mais do que isso, o autor demonstra que nossa intuição estereotipada e nossa “tendencia em acreditar na testemunha” anuviam nossa racionalidade bayesiana. (Até porque, não é todo mundo que consegue aplicar os teoremas facilmente). Assim, diante de evidências, sempre devemos questionar a confiabilidade da mesma e ancorar nosso julgamento em relação a taxa base do problema.
Para ser mais clara quando a taxa base: seria a população total sob a qual avaliamos um evento. O problema é que geralmente as taxas bases são subestimadas por negligencia, falta de dados confiáveis, etc. (ex. 1 a cada 4 mulheres é vítima de violência no Brasil. Provavelmente a estatística é pior, porque não temos certeza da quantidade de vítimas que reporta as agressões.)
O Sistema 1, por imprimir causalidade e fazer generalizações, peca em ignorar taxas bases (estando elas subestimadas ou não) e colocar o caso individual e próximo a nós em um pedestal. Se o caso próximo ainda por cima aparenta ter alguma relação causal… aí toda a teoria de Bayes é ignorada e tendemos aos palpites mais errôneos.
REGRESSÃO À MÉDIA
O exemplo do piloto. Quanto o instrutor grita com alguém que faz uma péssima manobra, a próxima manobra do piloto é boa. Quando ele elogia uma manobra excelente, a próxima é pior que a anterior. Conclusão do capitão: elogios não funcionam, gritos sim.
Conclusão de Amos e Kahneman: o feedback (sincero e sem gritos) ajuda, porém, nem o melhor dos pilotos consegue fazer todas as suas manobras perfeitas. A regressão à média é a lei. O instrutor caiu na falácia da causalidade para um processo aleatório.
Como a vida é aleatória, quando temos um resultado muito bom (ou muito ruim), a tendência é que o próximo retorne à média do nível esperado. Isso não ocorre por uma causalidade lógica, e sim graças “a sorte”.
Talent and Luck
Success = talent + luck
Great success = a little more talent + a lot of luck
A conclusão da primeira parte é “simples”: devemos domar nossa intuição e vontade de responder rapidamente à pergunta mais fácil usando o Sistema 1. Para isso, podemos seguir algumas regrinhas básicas:
- Comece com uma base. Na ausência de informação, a base é a média.
- Estime um valor intuitivamente, o que será feito baseado mais na evidência do que na estatística
- Estime a correlação entre a base e a estimativa baseada na evidência.
- Mova o palpite final com base na correlação estimada, assim você terá um palpite mais assertivo!
Parte III - Confiança excessiva
Já vimos como somos susceptíveis a diversos vieses. Agora vamos explorar como somos superconfiantes sobre nossa capacidade e conhecimento, tanto individualmente quanto sociedade.
O autor inicia essa parte citando Taleb, que descreve a falácia narrativa em A Lógica do Cisne Negro, e como somos facilmente iludidos pelas histórias que criamos, achando conhecer completamente o passado e, portanto, prever o futuro. Confira o resumo desse livro para mais detalhes sobre a visão de Taleb.
O viés retrospectivo (hindsight bias) é o nosso pior companheiro, pois nos leva a avaliar uma decisão pela qualidade do desfecho, e não do processo. É o efeito “eu sempre soube”. É mais difícil avaliar se uma decisão (fazer cirurgia) foi assertiva após o conhecimento do resultado (paciente morreu), pois nosso cérebro remodela o mundo com todas as informações disponíveis, e não consegue “voltar ao passado” para entender que, à época da decisão, não se sabia que a fatalidade iria ocorrer (era apenas uma possibilidade). Diante disso, em certas profissões, o resultado é que os riscos acabam sendo “mais pesados do que deveriam”.
Voltando ao Sistema 1 e 2… S1, por causa do WYSIATI, supervaloriza a evidência que se têm em mãos e toma decisões/faz julgamentos de maneira precipitada. Confiante de sua história, S2 corrobora o padrão ao entender que a narrativa construída é coesa e fácil de processar e armazenar. Porém, devemos estar atentos que coesão é diferente de verdade, e nos leva à ilusão da validade.
Em mercados eficientes, a “escolha educada” de um fundo mútuo não é melhor do que a aleatoriedade. No entanto, mesmo com a coletânea de indicadores que o stock picking estaria mais relacionado com a sorte do que com a habilidade, por ser um trabalho que, aparentemente, exige alto grau de conhecimento e estudo, a ilusão da habilidade é corroborada por nossa cultura de mercado financeiro.
Quanto mais conhecimento adquirimos, mais superconfiantes ficamos. Seguir a intuição geralmente é pior do que uma fórmula paramétrica, simplesmente porque supervalorizamos a evidência. Bem como fórmulas com pesos iguais para todos os componentes são melhores porque não são susceptíveis ao erro de amostragem.
Sobre contratação, o autor advoga da necessidade de fazer um processo parametrizado, em que cada candidato é avaliado sob várias óticas e não seguir a intuição de contratar o candidato “que eu mais gostei”, e sim o que pontuou melhor nos testes aplicados.
A intuição pode sim agregar valor, mas é mais bem utilizada após compilarmos medidas paramétricas.
De maneira geral, a intuição dever ser levada mais em consideração quando é fruto de um ambiente regularmente previsível e que a pessoa tenha tido a oportunidade de aprender nesse ambiente por muito tempo (e que, de preferência, o feedback ocorra de maneira rápida). Essas duas definições já diminuem bastante o leque de “especialistas” que devemos consultar.
Assim como a intuição, outra falácia que nos acomete corriqueiramente é do planejamento. Principalmente para projetos longos, a acurácia é dificultada. Quando temos como referência uma linha de base, nos fiamos a ela sem contextualizar o grupo ao qual ela pertence. O que deveríamos fazer (e nunca fazemos) é consultar a estatística de todos os projetos similares (the outside view).
O otimismo no planejamento pode não ser tão benéfico, mas, é fato que o otimismo é parte importante dos desfechos de nossas vidas. O otimismo dos empreendedores é verdadeiramente notório (eu que o diga, sou filha de um e casei-me com um startapeiro!). Nos casos de sucesso, a ilusão do controle toma posse da nossa percepção, ao atribuir mais mérito à competência, ao foco e a habilidade, negligenciando o papel do acaso. Focamos no que conhecemos. Ignoramos o que desconhecemos. WYSIATI
WYSIATI
A bola de neve continua, pois criamos a nossa história coesa, com informações que nos veem facilmente à mente embasamos nossa teoria. Quando isso é feito na liderança (de uma empresa, por exemplo) todo o time pode observar uma movimentação como se fosse uma verdade pura e indelével, quando, na verdade, só passou de uma intuição falha.
Na tentativa de tentar driblar o nosso desconhecimento, um colega/adversário de Kahneman propõe a técnica do pré-mortem. Ele sugere que, após uma decisão seja tomada (por diretores, por exemplo) ela seja compartilhada com outros indivíduos com o seguinte enredo: tomamos a decisão A. O resultado foi terrível. Escrevam por 10 minutos o motivo. Isso faz com que as pessoas não envolvidas diretamente na decisão possam ser criativas, e talvez prever (inventar) pontos não antes concebidos pelos primeiros. Geralmente, quando um líder decide, os liderados tendem a ficar confiante da decisão tomada e apaziguam automaticamente suas dúvidas. Com o pré-mortem, você pode aparar as pontas e diminuir a superconfiança.
Somos superconfiantes. Devemos sempre fomentar a dúvida, buscar não só evidências intuitivas, mas também aperfeiçoar dados e fontes utilizadas e sempre, sempre, lembrarmo-nos que não temos conhecimento de “tudo o que há”.
Parte IV - Escolhas
Bernoulli, em seus inúmeros estudos, observou que as pessoas tendem a não gostar do risco e evitam o pior cenário. Antes dele (e, para parte dos economistas que acreditam nos Econs) as pessoas deveriam escolher com base no valor esperado.
Você prefere, 80% de chance de ganhar 100$ e 20% de ganhar 10$ OU 100% de ganhar 80$ ?
A maior parte das pessoas prefere o certo, sendo que o valor esperado da aposta é de 82$ (80% * 100 + 20% * 10).
Esse experimento foi feito com várias quantias e diferenças entre o esperado e o certo. Assim, Bernoulli “mapeou” a utilidade e aversão ao risco. A utilidade da riqueza não é linear. Contudo, Bernoulli não foi perfeito em seus cálculos, pois não previu que nossa resposta por uma mudança na riqueza é inversamente proporcional ao ponto de partida (e não depende apenas do montante). Isto é, carecia de abordar também o ponto de referência de cada “jogador”.
O erro de Bernoulli abriu caminho para a teoria da perspectiva (prospect theory) de Tversky e Kahneman.
Essa teoria trouxe mais clareza sobre o comportamento de procurar risco (quando todas as opções são ruins), da aversão à perda (preferir o ganho certo e mais baixo do que a aposta mais alta, porém duvidosa) e da diferença de percepção entre ganhos e perdas relativas.
Contudo, a teoria da Perspectiva também não é perfeita. Ela não consegue resolver o problema do remorso e a decepção. O sentimento que nos acomete após o resultado de uma decisão é diferente do que esperávamos sentir antes de tomá-la… as perdas são sentidas mais do que os ganhos. Isso nos ajuda a calibrar nossas escolhas, mas não nos impede de sentir o fracasso quando o pior resultado vem à tona.
Dentro da teoria da Perspectiva temos um novo conceito: efeito dotação (endowment effect). Esse fenômeno é descrito principalmente no Misbehaving pois foi cunhado por Thaler. O exemplo clássico em ambos os livros é o do professor R e seus vinhos, mas eu acho o exemplo do show mais assertivo: se você tem ingressos para um show esgotado em que você pagaria, no máximo, 500$, mesmo que as pessoas (com mais dinheiro) estejam dispostas a pagar 3k$, você nãos os vende. Essa disparidade entre os preços não pode ser fruto de um comportamento Econ!
A explicação para nossa “irracionalidade” está no efeito dotação, que diferencia termos a posse ou não de um objeto (pesquisas com a caneca e os alunos demonstraram que, até de posse de algo tão irrelevante quanto uma caneca por poucos segundos exercem efeito de posse em nós). Quando possuímos algo, colocamos na equação a “dor da perda”, quando não possuímos, a variável é a “satisfação esperada”.
De maneira geral, a aversão à perda nos mantém conservadores, pois favorecemos pequenos incrementos ao status quo. Não atingir uma meta é uma perda. Se colocamos metas baixas, temos a sensação de completude, por isso, a “vontade de cumprir a meta” é mais forte do que de “excedê-la”.
Isso vale também para relacionamentos. Evitar situações negativas é mais efetivo e traz mais ganhos do que mirar em “trazer o bem”. (Esse pensamento me parece bem contra-intuitivo, pois passa a impressão de que não devemos buscar o bem e apenas evitar o mal.)
EFEITO DA POSSIBILIDADE: pesamos desproporcionalmente eventos improváveis. A cascata de disponibilidade aliada a negligencia da taxa-base são os principais fatores para esse efeito. (lembrar que morrer em ataque terrorista é mais difícil que morrer em um acidente “normal” de carro).
EFEITO DA CERTEZA: resultados quase certos recebem pesos menores do que deveriam frente a uma possibilidade certa – a utilidade de uma aposta com 2% de chance de perda é apenas 87,1 (em 100).
Esses efeitos explicam a desfortuna de pessoas que aceitam apostas altamente arriscadas que pioram a situação (quando perdidas) em troca de uma solução geral para todos os problemas (na remota chance de ganho). Esse tipo de ação é típico de transformar falhas em verdadeiros desastres.
Também por causa da nossa aversão à perda/riscos fazemos escolhas não muito sábias quanto a gestão de risco. Kahneman nos explica que, no conjunto de apostas arriscadas, o risco sistêmico diminui. O problema é que temos dificuldade de encarar as perdas individuais dentro de uma perspectiva mais ampla, e isso diminui nossas possibilidades de longo prazo. (válido apenas para apostas independentes entre si e que a perda não seja significativa em relação a sua riqueza).
Sobre investimentos no geral, o autor é categórico: olhar o rendimento da carteira diariamente não trará bem algum. Do contrário, como sentimos as perdas mais do que os ganhos, e como o mercado sobe e desce loucamente, é melhor ficar quieto e fazer o controle apenas anualmente.
Outro ponto abordado no livro é a questão dos custos afundados. Retirar-nos da situação psicológica de não levar em consideração esse custos é algo difícil, por isso várias empresas trocam os CEOs, na esperança de que uma pessoa “fresca” tenha menos envolvimento mental com as más decisões do passado e possa avaliar melhor (com menos viés) as novas oportunidades.
Se você considera comprar uma ação (que valoriza no futuro) e não o faz, se sente menos arrependido do que uma pessoa que já tinha ações e vendeu. O capítulo “De olho no placar” trás diversos exemplos e cita Richard Thaler várias vezes, para mais detalhes, deixemos essa parte para o Misbehaving.
Devemos citar, contudo, que o autor também aborda o tema da moral. Quando analisamos uma opção (salvar golfinhos) isolada, nossa reação emocional avalia apenas essa causa, sem contrabalancea-la com as demais existentes. Isso resulta em inconsistências lógicas e morais, como o fato de golfinhos arrecadarem mais dinheiro que humanos em “necessidade não urgente”, mas que, quando confrontados lado-a-lado, seguem o padrão esperado de moral e ética que coloca os humanos em maior necessidade que os animais.
Voltando a Thaler, é o caso similar de que, economicamente falando, se um produto é anunciado a um preço X com desconto, as pessoas desembolsam o valor de mais bom grado do que se ele fosse anunciado como X porque tem uma taxa extra. Esse efeito é chamado de enquadramento, o preço é apresentado como um desconto ou como uma sobretaxa, e nós, reagimos a esse contexto. Quando enquadramos o problema em um contexto maior, conseguimos abarcar e pesar melhor os riscos.
Parte V - Dois eus
Utilidade experimentada X Utilidade de decisão
Os conceitos coincidem quando as pessoas querem o que vão lhe proporcional prazer (e têm satisfação ao decidir).
A utilidade experimentada pode der dividida em duas:
- Eu experimental (ou Hedonímero): seria o computo da área da curva que pesa o tempo e a intensidade de uma experiência quanto a sua dor ou prazer. (Does it hurt now?)
- Eu recordativo: é o que lembra da experiência após passar por ela. (How was it as a whole?)
O eu recordativo é susceptível e contraditório. Por causa da regra do fim de pico, temos uma noção errada das experiências que passamos. Um teste com “menos dor total” que tem um pico de dor muito alto no final é percebido como pior que um teste de “dor constante”. Da mesma forma, se há um alívio no final (experimento da bacia de água gelada que fica mais quente no final, porém o teste é mais longo) escolhemos por passar por mais dor apenas para ter o “alívio” do final do experimento.
A tirania do eu recordativo é que ele é quem toma a decisão. Aprendemos com o passado a maximizar as qualidades das memórias que vamos ainda ter. E a memória do que armazenamos não reflete necessariamente a experiência que tivemos.
Dessa maneira, nosso objetivo não é necessariamente evitar as situações ruins, mas como percebemos o evento.
Nossa vida é construída então dos fragmentos de memória que armazenamos, e que consideram muito mais picos e “fins” do que a duração total de um evento. É um contraste que também pode ser transpassado para o nível de felicidade, que, ainda que não esteja relacionado 100% com o tamanho da riqueza, guarda uma relação com esta até um certo patamar. Depois de um certo nível de riqueza, não se observa uma “satisfação maior” nem um aumento na qualidade de vida proporcional ao ganho monetário.
A maneira mais fácil de aumentar a felicidade não está associada ao dinheiro, mas ao poder de controlar o próprio tempo.
A receita para a infelicidade, segundo as teorias expostas até então, é a autoimposição de metas muito difíceis. O ideal é colocar pequenas metas, e não exagerar nos desejos que achamos que vão satisfazer completamente o nosso eu futuro. Não negligenciar o tempo é essencial, para que não desvalorizemos experiências com base nos efeitos-pico e efeito-fim.
Conclusão e apêndices
O tempo é nosso bem mais precioso. É finito. Contudo, nosso “eu” ignora esse fato, o efeito do pico-fim e nossa negligência com a duração real de um evento causa um forte viés que nos faz favorecer experiências curtas de intenso prazer em relação a longos eventos de prazer moderado.
A irracionalidade escancarada nesse livro não se atém ao “homem mediano e comum”. Vários testes foram realizados com uma plateia renomada, incluindo estudantes de MBA em probabilidade, economia e estatística… Assim, precisamos descer do pedestal (não importa o quão “alto” você chegou na carreira acadêmica), os resultados são suficientes para incomodar e fazer com que olhemos para o próprio umbigo a cada decisão tomada: o quão susceptível somos aos vieses?
O capitalismo e o livre mercado tem como premissa que somos racionais. Que sabemos fazer a melhor escolha e que a política pública geral deve ser de não intervencionismo (exceto que que as escolhas de uns causem mau direto a outros).
Contudo, esse e outros livros estão aqui para mostrar (sem pregar socialismo ou outra forma política que causa arrepios ao direitistas) que, seja como indivíduos, pequeno grupo ou sociedade, não podemos nos auto-julgar como seres racioneis e livres de erro.
Econs não precisam da ajuda do governo “para decidir”. Aqui, vimos que as escolhas são influenciadas por vários aspectos, inclusive aleatórios. Imagine em um mundo que temos pessoas estudando isso para nos influenciar. Mesmo cientes das armadilhas, o efeito DAS SETAS estará lá À espreita.
Para economistas comportamentais, Econs são uma ilusão, a liberdade (de escolha) tem um preço. Más escolhas impactam não só na vida individual, mas também tem um peso social. Se a sociedade tem obrigação de “ajudar” nós, os humanos falhos, e a sociedade é composta por humanos, chegamos em mais um dilema de ovo e galinha.
Kahneman (assim como Thaler) parecem ser defensores de um paternalismo libertário (uma espécie de socialismo capitalista?) em que as instituições tem como dever “ajudar” as pessoas a tomarem decisões (nudge people). É a ideia de colocar na carteira automaticamente que queremos ser doadores de órgãos.
Humanos precisam de proteção. Econs, não.
Para fechar esse livro, devemos lembrar que começamos a falar sobre duas formas de pensar. Rápida e Devagar. Sistema 1 e Sistema 2. Como evitar nossos vieses? Uma maneira é aprender (e corriqueiramente relembrar) que eles existem e atuam, quer queiramos ou não. Não adianta sabermos que eles existem. Também precisamos atuar, identificar os sinais de quando eles ocorrem e nos obrigar a pedir ajuda do Sistema 2.
Uma organização ou um indivíduo que busca a melhora contínua deve atentar-se na maneira como toma decisões, e também avaliar se esse processo está sendo feito de maneira eficiente. Melhora continua pressupõe um controle de qualidade constante, (e não só quando tudo está em chamas), mais especificamente, devemos tomar cuidado com a forma como enquadramos os problemas, como categorizamos as informações (dar pesos errados a cada pedaço de dado) e, finalmente, a revisar as decisões tomadas tentando evitar o viés da retrospectiva.
Esse livro me iniciou na literatura de tomada de decisões e mudou verdadeiramente como eu encaro a vida (e não só as decisões de trabalho).
É incrível como essa área é tão rica e tão negligenciada nos mais diversos ambientes.
Espero poder revisitar essas notas várias vezes, para me relembrar o quão enganada e preconceituosa posso estar sendo, desde as pequenas até as grandes escolhas que fazem parte do meu dia-a-dia.
Sigo tentando domar meu sistema 1…