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Cidade Feliz

CIDADE FELIZ – Transformando nossas vidas através do design urbano tem um significado a mais para mim. Além de ser um livro sensacional, está relacionado com meu trabalho diário e por isso foi uma leitura mais do que agradável. Eu, por algum motivo que não sei precisar, já era uma defensora de uma cidade mais “humana”, com mais bikes e menos carros. CHARLES MONTGOMERY nos proporciona argumentos técnicos, mas também mais palatáveis para tratar com o público geral que adora reclamar quando uma nova ciclovia será implantada, ou uma rotatória, ou uma faixa de pedestres…

O prefeito da felicidade

As cidades urbanizadas são responsáveis por 80% da poluição global, especialmente da emissão de gases que causam o efeito estufa. Serão elas também as principais afetas pelas mudanças climáticas (causada pela ação humana), desde as ondas de calor até a escassez de alimentos.

O prefeito de Bogotá Peñalosa mudou a história da cidade ao discursar que traria mais felicidade aos moradores. Ele entendeu que nós somos produto do meio em que vivemos, e mudando a estrutura da cidade poderíamos trazer felicidade ao povo (e um povo feliz cria um ambiente menos propício para a violência).

A Colômbia sofreu imensamente com terrorismo causado dentro de casa, a pacificação das guerrilhas ocorreu em 2016, mas ela sozinha não mudaria os rumos das metrópoles Colombianas. Bogotá começou sua mudança estrutural com a eleição de Enrique Peñalosa em 1998. Urbanista e economista, ele defende a mudança estrutural na cidade como forma de trazer mais riqueza, mas seu discurso ganhador não foi esse: ele prometeu deixar os colombianos mais felizes.

Peñalosa apontou que Bogotá era refém de duas variantes comuns (e maliciosas) do urbanismo moderno: (1) a cidade se organizara tendo o automóvel privado como seu centro e (2) os espaços públicos foram privatizados. Suas primeiras ações foram combater esses dois pontos, ele gastou praticamente toda verba em construir ciclovias, parques e praças, bibliotecas, escolas e creches. Foi ele quem construí o famoso Transmilênio (inspirado no nosso BRT de Curitiba, porém muito maior e mais ousado). Ainda não sei como ele conseguiu de fato IMPLEMENTAR suas ideias sem ser chutado do governo, mas além de “gastar” todo o dinheiro público nessas ações, ele taxou fortemente o combustível [forma de desviar o transporte privado para o transporte público e os novos caminhos de bike] e baniu motoristas de realizar deslocamentos diários mais de 3x na semana (commute drivers).

No terceiro ano de seu mandato, ele criou o dia sem carro (24/02/2000). Foi o primeiro dia em 4 anos que ninguém morreu em um acidente de tráfego. Os hospitais receberam 1/3 a menos de pacientes, a poluição diminui visivelmente (isso, com apenas 1 dia!).

O design das cidades seria forte o suficiente para “criar” felicidade? O experimento de Peñalosa em Bogotá certamente demostrou que isso é possível (as pesquisas da época mostraram que os Bogotanos eram mais otimistas e felizes) e pode ser um dos caminhos. Os booms tecnológicos não foram acompanhados por booms notáveis na felicidade geral humana (pelo contrário, as cidades mais desenvolvidas registram altos níveis de ansiedade e depressão). Entre 1999 e 2010 o consumo médio de energia elétrica na China triplicou, mas a “felicidade” da nação medida como “satisfação com a própria vida” permaneceu constante.

Nos EUA, em 2005, a depressão é de 3 a 10 vezes maior do que a 20 anos atrás, e em 2010 10% da população americana reporta sofrer com depressão. A riqueza parece também não trazer felicidade. Quanto mais ricos ficamos, mais nos comparamos/desejamos ser mais ricos, e isso gera uma aflição interna que eventualmente leva a depressão. Em 1950 havia 1 carro para cada 3 estadunidenses, em 2011 a relação já é 1 para 1 (considerando inclusive os recém-nascidos).

Se o mapa da felicidade existe, temos que ir além da política e da filosofia.

A cidade sempre foi um projeto de felicidade

Todos os homens desejam a felicidades? Ou essa é uma pergunta ridícula? Se, de fato, todos almejamos ser feliz, como podemos ser felizes? Essa é a próxima questão – Socrates

Em seu livro “Retórica” Aristóteles também afirma que “tudo que gera a felicidade deve ser perseguido, enquanto tudo que destrói a felicidade deve ser banido de nossos atos”. A questão DO QUE É A FELICIDADE era uma pergunta de preocupação pública em Atenas e ocupou a mente de filósofos e pensadores desde então. O autor que agora lemos, diz que é impossível separar a vida e o design da cidade da tentativa de entender felicidade, experimentá-la e consolidá-la na sociedade.

Para os cidadãos gregos (isto é, a pequena parcela que era livre para pensar e ter tempo de fazê-lo), a felicidade foi definida como EUDAIMONIA, que significa literalmente: estar acompanhado por bons demônios (que aqui significa espírito). Aristóteles despoetizou: boa fortuna, gozar de boa saúde, ter amigos, poder e riqueza material: tudo isso contribui para construir o estado de EUDAIMONIA. Mas esse estado só poderia ser atingido “na cidade”. Isto é, por alguém que se preocupasse e se envolvesse com o POLI, com o público e comum.

Assim nasceu a arquitetura ateniana (ou grega), pensada para o povo, com seus teatros e praças.

As cidades Romanas cresceram apertadas e mal-planejadas. Com vielas apertadas e de difícil acesso, um contrassenso para o império que construiu belas estradas para suas tropas dominaram e chegarem nas cidades com rapidez e altivez.

Enquanto os atenianos glorificaram a cidade, os romanos foram para o lado aposto. Quando o império romano encontrou seu fim e abriu espaço para a idade média europeia, uma cidade só poderia ser feliz se tivesse proteção terrena (muros) e divina (catedrais). As catedrais eram um instrumento de controle das massas, que teriam sua felicidade apenas após a morte. Com o iluminismo, nossa ideia de felicidade muda mais uma vez, pois ele nos provoca a pensar que a felicidade terrena seria um merecimento de todos (e não somente da realeza).

Curiosamente, Louis Philippe II era adepto das ideias igualitárias de Rousseau e abriu os portões dos palácios para que todos pudessem usufruir de seus jardins. De certa maneira, voltamos a uma ótica de felicidade grega, em que a felicidade se faz no bem público (mas aqui expandida já que temos “mais cidadãos” do que nas cidades gregas. Alguns anos depois, a cabeça de Louis rolaria com a revolução.

O uso da arquitetura como símbolo de poder permeou não só as conquistas Romanas e Napoleônicas, também chegou no extremo Leste Europeu, com Stalin transformando a cidade para que as pessoas tivessem uma impressão de mudança radical com a mudança de regime.

Os automóveis privados, quando se popularizaram, adicionaram à arquitetura urbana uma possibilidade de fuga dela mesma. É propagandeado que dentro do seu carro você se fecha eu seu mundo, fugindo das mazelas da cidade. Nos Estados Unidos a arquitetura da cidade ganhou uma configuração particular com a construção dos bairros do subúrbios, caracterizado pelo “espalhamento” urbano (suburban sprawl).

O próprio Adam Smith, pai do capitalismo, alertou que acreditar que a riqueza e o conforto, por si só, seriam insuficientes para trazer a felicidade. Ao longo das décadas, a situação econômica global melhorou, mas as pessoas não ficaram mais felizes (ao menos no que conseguimos medir).

Especialmente na américa do norte, a configuração espalhada dos subúrbios obriga as pessoas a viverem longe das conveniências e cria destinos desconectados. [Aqui vale um alerta que a configuração desses bairros suburbanos é inteiramente domiciliar, o que não ocorre no Brasil (exceto para condomínio fechados, que podem ser bem grandes, mas não se comparados aos bairros americanos). Dentro do bairro, não há qualquer tipo de serviço comercial, obrigando as pessoas a dirigir para consumir qualquer coisa.]

MEDINDO A FELICIDADE

Pessoas com dano no córtex pré-frontal esquerdo perdem o senso de “aproveitar a vida”. Usando essa informação, várias pesquisas, testes de cortisol no sangue e experimentos realizados no mundo todo, cientistas chegaram à conclusão de que a melhor forma de “medir” a felicidade é simplesmente perguntar as pessoas se elas são felizes.

Nesses estudos conseguimos determinar o que nos faz feliz e o que não nos faz feliz. Uma das coisas que (surpresa!?) nos causa desgosto é justamente nos deslocar para trabalhar.

E o que nos faz bem? Novidades, pontas arredondadas, cheiros prazerosos, surpresas gentils, memórias agradáveis. Tudo isso compilado e você terá a receita para “O lugar mais feliz da Terra”, inaugurado em 1955, a Disneylandia! Até hoje, cada detalhe do lugar é pensado para nos fazer sentir em casa, confortáveis e seguros. Não importa onde você tenha sido criado.

Se nascemos em um país pobre, com muitas dificuldades, ficar rico te deixará mais feliz. Mas, se já nascemos mais “afortunados”, após uma média salarial específica, ficar mais rico não aumentará sua felicidade [Pirâmide de Maslow!]

Pelas pesquisas, uma série de atributos parece nos fazer mais feliz: ter um emprego, viver em cidades pequenas, SENTIR-SE saudável (aparentemente não é necessário SER, basta SENTIR), amizade, acreditar em Deus (seja lá qual for).

Dentre todas as facetas da felicidade, a interação social é um dos pontos que mais contribui com a sensação de (in)felicidade. E é a cidade o grande palco dessa peça: é na cidade que nos encontramos, relacionamos, interagimos. É na cidade que nos deslocamos a caminho de nossos encontros e desencontros, e a forma como se dá esse deslocamento altera o resultado de nossas relações.

Nas pesquisas, ter apenas um amigo com quem se pode contar “vencia” um aumento de 3x a renda da pessoa no quesito “ser mais feliz”.

Mas não é só na amizade próxima que se fazem nossas relações: poder confiar em vizinhos, na polícia, no governo, em estranhos enfim… tudo isso vai acumulando pontos na nossa escala feliz.

Quimicamente, estamos falando da oxitocina, a substância que nos faz ser altruístas. Todos ganham quando todos cooperam.

Sendo seres sociais, precisamos de empatia e de altruísmo para nos sentirmos bem, são esses sentimentos que guiam nossas ações.

Ainda que a mudança comece de forma individual, é o todo que almejamos modificar. A busca pela felicidade urbana demanda que admitamos que precisamos encontrar o equilíbrio entre público-privado, ainda que ambos tenham suas contradições. Não importa o quanto queiramos levar nossa vida privada, a fundação da felicidade está na interação com o outro, e ter relacionamentos significativos, sinceros e duradouros depende, não só da nossa habilidade social, mas também de como nós construímos nosso entorno urbano.

Os estudos científicos exatos (isso é, o mapeamento dos nossos sinais neurais, a química de nossas substâncias) indicam que, a maior parte das pessoas (estando em qualquer lugar do mundo) precisam das mesmas coisas básicas e possuem os mesmos desejos. Assim, a configuração da cidade inteligente, que se molda as necessidades sociais humanas deve ser PARECIDA em qualquer local do globo.

A cena social quebrada

A forma como desenhamos a cidade define como as pessoas irão percorrê-la e acessar seus serviços de saúde, educação, lazer e estabelecer relações. Assim, a forma como desenhamos uma cidade interfere da forma mais cabal na felicidade de cada habitante!

No caso norte-americano, a cidade dispersa/espalhada conseguiu destruir o sonho americano de várias formas, ainda que poucos se deem conta disso:

  • Baixa densidade demográfica -> mau aproveitamento do solo
  • Mais caro de construir -> levar saneamento/luz para uma área de baixa densidade é mais caro do que uma cidade verticalizada [cuidado! Ele não defende o verticalismo sem fim, mas algo moderado que será mais elaborado ao longo do livro]
  • Maior custo de manutenção geral -> cabos, calçadas, postes, canos…
  • Maior custo e dificuldade de atendimento nos serviços de emergência e de transporte coletivo

A cidade dispersa é a forma mais cara, que consome mais recursos, que polui mais e que ocupa mais terra/habitante que qualquer outro modo de ocupação urbana

Nessa configuração, há serviço público de escolas para que as crianças possam ir andando a pé, porém, após o horário da aula, elas não têm para onde ir (além de suas casas vazias já que os pais voltarão apenas no final do dia, após uma sessão estressante de direção na autopista lotada). Longe dos trabalhos e das conveniências, as famílias chegaram a gastar mais com transporte do que com impostos e serviço de saúde juntos (2011).

O EXPERIMENTO DA CARTEIRA

Em um experimento sobre confiança, perguntou-se “qual a probabilidade da carteira ser devolvida se você perde-la na vizinhança?”. A resposta geral rondou os 25%. Quando o experimento foi feito, largando carteiras em vários lugares (inclusive do globo), a taxa de retorno foi de 83%! Ainda que em países desenvolvidos ou que as pessoas DIZEM confiar mais, os percentuais foram semelhantes. MORAL DA HISTÓRIA: você pode viver em um lugar seguro, mas se não tiver interações positivas e laços com as pessoas que te rodeiam, sua SENSAÇÃO de insegurança cresce (e isso aumenta com uma mídia sensacionalista que só vende desgraça como notícia).

 

Esses relacionamentos estão se contraindo cada vez mais, ficando no círculo familiar (pais-conjunge-filhos). Em 1985 os norteamericanos reportaram ter 3 pessoas com quem podem confiar sempre, em 2004, o número caiu para 2, e metade das pessoas dizem não ter ninguém ou no máximo uma pessoa. Esse sentimento de desamparo não ajuda em nada a deter os milhões de caso de depressão….

A cidade deveria ser o local de reunião, a AGORA dos atenianos, de estar junto com seus vizinhos, familiares e amigos. Ao invés disso, a cidade tem se tornado a selva de pedra que dificulta as relações e aumenta as doenças da mente e do coração. [Aqui me lembra como os estrangeiros tendem a perceber o Brasil como um país feliz apesar da pobreza. O pobre brasileiro, que vive na favela possui relações com os vizinhos que se ajudam e se cuidam, não que a favela seja a solução, mas há de se pensar nos “benefícios” que essa configuração traz para essas pessoas que ali vivem]

Um estudo sueco revelou que pessoas que ficam mais de 40min no trânsito diariamente possuem 40% de chance a mais de se divorciar.

A diversidade étnica também tem contribuído para a PERCEPÇÃO de insegurança e não confiabilidade dos vizinhos. Esse é um dado alarmante visto que já sofremos tanto com racismo e os dados indicam que não há aumento significativo de violência devido a recepção de imigrantes (quando bem geridos e alocados na sociedade)

A civilização é um projeto coletivo. A solução para problemas como poluição e a mudança climática serão resolvidos apenas se trabalharmos juntos, todas as nações e povos.

Os carros nos liberaram dos limites geográficos, mas trouxeram como pena a redução dos laços familiares. A curva da felicidade só aumenta quando temos mais de 6 a 7 horas de interação social agradável diariamente, se passamos (grande) parte do nosso dia dirigindo (ou usando o transporte coletivo) para chegar de A até B, o tempo social é reduzido.

A juventude também foi radicalmente impactada pela cidade dispersa. Sem adultos em casa para criar um laço forte e sem espaço comunitário para interagir com pessoas da mesma idade, os adolescentes “privilegiados” do subúrbio apresentam notas menores, mais uso de drogas lícitas e ilícitas e problemas psicológicos que não são encontrados com a mesma frequência nos adolescentes que vivem “no centro”.

Como chegamos até aqui

Os primórdios da revolução industrial trouxeram para a cidade elementos extremamente desagradáveis: poluição sonora e do ar sendo os mais evidentes. Assim, em Londres, Ebenezer Howar inicia um plano de construir uma cidade livre dos incômodos urbanos. Os londrinos acreditaram que, tal qual uma linha de produção, as cidades poderiam ser re-construidas. Le Corbusier (arquiteto) desenhou a suposta cidade sem problemas, inteiramente fragmentada em distritos funcionais. O conceito de zoneamento vem daí, e seu objetivo original era reduzir o congestionamento, melhorar a saúde e fazer os negócios mais rentáveis.

As leis de zoneamento especificam o que pode ser feito e construído em determinada área da cidade

Curiosamente, nos EUA, a ideia de liberdade se choca com a ideia da propriedade privada. Muitos pensam que a casa é seu castelo e ali podem fazer o que quiserem, contudo, até nossa residência está sujeita às leis do país e ao zoneamento municipal. Para apimentar, os lobbys automobilísticos iniciaram uma campanha para priorizar a movimentação via carro em detrimento da locomoção natural humana (o pé). Atravessar a rua em local inapropriado virou crime.

A ideia de zoneamento se espalhou de Londres, para os EUA e a união soviética, sem preconceito com o regime político.

A cidade inteiramente verticalizada pode significar uma diminuição de custos e de deslocamentos (quando o zoneamento adequado é aplicado, fomentando o uso do solo de forma mista, para residência e serviço). Mas construir somente selva de pedras como Manhattan e São Paulo não é a cereja do bolo. O ideal, como sempre, reside no meio do caminho.

Entendendo tudo errado

Seres humanos não percebem o valor das coisas em termos absolutos. Precisamos de comparar um objeto com o ambiente em que ele está, e, a depender do ambiente, nossa percepção muda em relação ao valor do objeto.

A economia neo-clássica se baseia na ideia do Econ, o ser humano capaz de tomar decisões que maximizem a utilidade sempre. [Já lemos muita coisa até aqui para entender que isso não faz sentido – e na real não era preciso ler muito, se assim fosse não existiriam pessoas endividadas nem psicólogos]

Um estudo demonstrou que uma pessoa que faz 1h de deslocamento precisa ganhar 40% a mais para se sentir feliz “no mesmo patamar” de outra que caminha até o escritório.

O hedonismo nos ensina que nós nos adaptamos, tanto as coisas boas, quanto a ruins. Contudo, é muito mais fácil se adaptar a algo constante do que móvel. Uma casa grande terá sempre o mesmo tamanho, e rapidamente modificamos nossa vida para ocupar todos os seus espaços. Mas adaptar-se ao inferno de dirigir todos os dias não é muito fácil, pois cada dia problemas, acidentes e mudanças no clima interferem nossa rota de uma forma particular.

Nosso cérebro parece não conseguir distinguir bem entre prazeres efêmeros e duradouros. Um experimento interessante com alunos de Harvard: os alunos selecionam qual dormitório vão usar durante o ano. O dormitório mais antigo é mais bonito (arquitetonicamente falando) e possui um certo “status”. Contudo, os dormitórios mais novos foram construídos de forma a fomentar a interação social dos alunos. Os alunos sabem (e falam isso na pesquisa) que as interações sociais serão determinantes para seu sucesso/felicidade na faculdade, mas elegem em peso o dormitório mais antigo “apenas” pelas suas características arquitetônicas.

Tomar uma decisão envolve várias áreas do cérebro, e todos nós estamos sujeitos a vieses naturais e somos permeados por nossa cultura/educação formal. As pessoas que pensam/planejam a cidade também estão sujeitas a esses erros, mesmo que estejam bem-intencionadas.

O autor dá o exemplo de Brasília, nossa capital planejada nos mínimos detalhes, com suas zonas determinadas e complexos residênciais cuidadosamente planejados para serem idênticos. Contudo, sabemos que o modelo não funcionou, as pessoas se sentiram desorientadas em meio a tanta organização (???) e, como (quase) toda cidade, ela cresceu, e esse crescimento se deu de forma caótica e não planejada.

 

Nossa mente se baseia em heurísticas para tomar decisões. Isso é bom e ruim. Pense no que pode te matar. `Provavelmente pensou em catástrofes… e não na forma mais comum de se morrer… Nossa mente se lembra com facilidade do sensacionalismo, e na hora de tomar quaisquer decisões, fatos raros irão pesar mais na balança, ainda que a probabilidade de ocorrer seja pequena.

Viver longe do trabalho, nos belos subúrbios americanos com casas sem cerca parece um sonho, mas uma análise rasa já evidencia os problemas que esse estilo de vida trouxe para as famílias americanas. Só de viver em um bairro desses você já entra para a camada da sociedade com mais risco de desenvolver diabetes, artrite, problemas digestivos, filhos rebeldes e infeções gerais. Uma imagem nada agradável.

O equivalente a um Boeing 747 lotado de pessoas caindo a cada 3 dias: é o número de mortos anuais nos Estados Unidos no trânsito.

Não são as colisões que matam as pessoas, mas as colisões em alta velocidade. E nós dirigimos não no limite permitido por lei, mas sim o quão rápido nos sentimos seguros para “ir”. Ruas residenciais largas são um convite a alta velocidade e matam mais que ruas estreitas e sinuosas.

O jeito de vida americano, se expandido para o restante do globo, “gastaria” o equivalente a 9 Terras. Uma crise dos combustíveis fósseis nos aguarda, encarecendo ainda mais a gasolina e minando o poder de compra daqueles que dependem do carro para se deslocar.

As pessoas não respondem bem a campanhas baseadas em culpa ou medo, pois o link entre ação e consequência está diluído no tempo. A estratégia para mudarmos a forma como vivemos e salvar a civilização terá que ser outra. A cidade sustentável precisa prometer mais felicidade do que o estado atual. Só assim teremos as pessoas engajadas com a mudança que precisamos fazer em nosso estilo de vida

Como estar mais perto

Precisamos estar perto das pessoas, da natureza e também ter privacidade. Seria possível mensurar o “quanto” de cada coisa precisamos?

A questão da natureza, por exemplo, é surpreendente. Claro que o contato direto com ela é mais benéfico, mas estudos mostram que apenas vê-la (em quadros em hospital, por exemplo) fazem as pessoas se sentirem melhor.

Pessoas que vivem perto de áreas verdes conhecem mais seus vizinhos, e, talvez por isso, tem um nível de confiança maior na comunidade

Aparentemente, não é só uma sensação de confiança, mas um estudo em LA demonstrou que as pessoas eram mais generosas (independente de raça e renda) nos bairros com mais parques e praças.

Uma atividade simples, como ter uma horta/jardim dentro de casa é extremamente benéfico para a saúde mental humana. Contudo, quando passamos horas no trânsito, sobra menos tempo para atividades de lazer (e o advento do celular captura as horas restantes).

O crucial não é a quantidade, mas a regularidade. Precisamos de doses diárias de natureza para recarregar as baterias da mente.

A cidade de Vancouver é então apresentada pelo autor como próxima do ideal, pois reúne uma série de elementos benéficos a saúde e bem-estar social. As leis que moldaram o crescimento da cidade permitiram que o centro, ainda que verticalizado, não seja tão aglomerado como o que estamos acostumados. Praticamente todo apartamento consegue ter uma vista para as montanhas ou para o oceano que circundam a cidade ao norte e a oeste.

Em 1916, o zoneamento de Manhanttan obrigou os prédios a “reduzir” sua massa à medida que ficam mais altos (por isso o formato pontudo) para que mais luz natural chegasse à rua. Hong Kong, durante o boom populacional, iniciou a construção de apartamentos residenciais no topo de prédios comerciais (um quarteirão inteiro de comércio/serviço com 5 ou 6 torres residenciais “em cima”). Já Vancouver, adaptou ambas as ideias: preocupados com a vista, construíram uma “mini” HongKong, com um espaçamento mínimo entre as torres, o que permite bastante luz natural nas ruas, e uma vista agradável para todos (e não a janela do vizinho).

Essa forma de construir ganhou o nome de “Vancouversimo”, e provou-se não só agradável para os cidadãos, como também rentável para os construtores. San Diego, Dallas e Dubai também adotaram a moda, mas nenhum conseguiu ser tão assertivo quanto Vancouver. O município é extremamente comprometido com o bem-estar da cidade, os desenvolvimentos são obrigados a construir parques, creches e residência de baixo custo à medida que “querem” construir mais alto.

Em pesquisas com moradores de Manhattan, também se constatou que adicionar uma enorme massa verde no meio da cidade não seja a melhor estratégia. O ideal são pequenos pequenos, ilhas de praças e parques que permitem o acesso fácil e rápido por um grande número de indivíduos. Grandes parques para grandes cidades são ótimos para grandes eventos, mas o dia a dia de cada um se fará no jardim da esquina, na hora comunitária, e parques medianos que estejam a uma distância caminhável de todas as residências.

Quanto a privacidade versus sociabilidade, os estudos apresentados no livro indicam que a metragem da moradia não importa muito para a felicidade. O mais importante é que cada um tenha um espaço que seja seu (um quarto, em que você possa se fechar e “fugir” quando precisar). É importante viver em comunidade e estamos vivendo em um número que as famílias diminuíram, ou, quando existentes, vivem separadas na mesma casa (não comem juntas, não se deslocam juntas).

Precisamos também de construir moradias que moderem nossa interação social e permitam manter nossa privacidade. [Aqui me lembra um estilo de construção “universitária” que talvez seja importante para o próxima década: apartamentos de um quarto com cozinha e sala comunitária para que pessoas que vivem sozinhas tenham um espaço confortável mas também possam interagir com certa frequência com seus vizinhos].

Outro ponto importante sobre os espaços comunitários. Ela precisa ser pequena o suficiente para que as pessoas se sintam “donas” dela. Quando não há sentimento de posse, o vandalismo acaba por “reclamar” o espaço.

Em um estudo feito no Canadá e na Dinamarca, chegou-se, inclusive ao “tamanho perfeito de jardim”: 10.6 pés (3,23m), com essa profundidade, você consegue estar próximo o suficiente da rua para conversar com os vizinhos, mas também permite privacidade o suficiente.

O autor também alerta para o design de torres com elevador VERSUS condomínios horizontalizados. No primeiro caso, a socialização é difícil (o elevador não é convidativo para conversas), e no segundo a socialização (atrelada aos jardins de 3m) promovem um senso de comunidade que desejamos.

Ao fim, ele conclui que já sabemos como construir “a cidade perfeita”, mas ela foi minada com a verticalização intensa, a zonificação extrema e a cultura das autopistas. No inglês, “streetcar city” são as cidades pequenas, com centros próximos as residências. Uma mescla de verticalização no centro, com residências horizontalizadas e jardins relativamente pequenos (para os padrões americanos).

O tipo de cidade perfeita parece ser impossível de se alcançar para grandes metrópoles, mas o autor reafirma e exemplifica como Vancouver conseguiu incorporar todas essas características de “cidade perto” ao encorajar, principalmente, o desenvolvimento de uso misto. Além disso, o município entendeu que era necessário medidas públicas que tornasse a moradia acessível a todos, e não apenas aqueles de alta renda. [Vale ressaltar que em 2017 Vancouver não tem nem 650k habitantes, ou seja, longe das grandes metrópoles Brasileiras. Também é importante abrir a discussão que a alta verticalização do Brasil com regiões metropolitanas populosas geram um problema de deslocamento difícil de solucionar. Devemos focar em diminuir o tamanho das nossas grandes cidades para ter vários centros urbanos independentes e autossuficientes]

Convivência

Copenhagen enfrentava um caos no trânsito e a solução apresentada foi construir um autopista passando no core da cidade. O conselho da cidade compreendeu que essa não era a solução ideal para o público, e foi na direção oposta das grandes cidades da época: iniciou sua luta particular para banir o automóvel.

Foi o caos (como sempre). Os jornais noticiaram que os carros seriam banidos do centro e seria o desastre, os donos de negócio previram um desastre econômico. Mal sabiam eles. Ruas peatonais tem sido sucesso em diversos lugares do mundo agora. Com tempo para parar, respirar e observar, o comércio cresceu. Bancos posicionados para observar as pessoas passando atraiam mais pessoas (como Gehl observou ao longo de um ano a movimentação das pessoas, na chuva ou no sol). As ruas peatonais de Copenhagen são cheias, até mesmo no inverno, porque foram construídas pensando nas pessoas.

A tecnologia proporcionou que grande parte das nossas necessidades sejam realizadas de dentro de casa, por meio de aplicativos e sem contato humano. Isso tem trazido um enorme vácuo social. Relacionamentos estritamente virtuais não são tão ricos, honestos e próximos quanto o contato cara a cara.

 

Os espaços que ocupamos influenciam como nos sentimos, como tratamos os outros e como nos sentimos em relação aos demais. Por isso, é tão importante pensarmos nas melhores formas de desenhar uma cidade.

Um experimento interessante realizado dentro da Disneylandia (lembre-se o lugar mais feliz do mundo) demonstrou como o entorno afeta nosso humor e nosso comportamento. Ao trombar propositalmente nas pessoas, ao invés de receber um olhar carrancudo, o pesquisador recebeu olhares carinhosos e “desculpas”. Ao pedir abraços para pessoas aleatórias, várias pessoas responderam positivamente. Não é difícil imaginar os olhares indignados e assustados se o mesmo pedido fosse feito no meio do centro de uma cidade qualquer.

Nos anos 2000, mais da metade das praças do distrito financeiro de Manhattan não atraiam as pessoas. Na verdade, muitas delas foram construídas com o INTUITO de repelir os transeuntes.

Estacionamentos subterrâneos são ótimos para grandes empreendimentos, pois deixam o entorno livre de veículos barulhentos e pessoas ranzinzas com a mão na buzina. Mas quando levamos o estacionamento particular para a casa de cada um… isso acaba matando a interação social. Se entramos e saímos de casa apenas no carro, raramente vemos os vizinhos e temos menos relações com eles.

Uma cidade (Vauban) atacou o problema de forma curiosa: para ter um carro, você é obrigado a comprar uma “vaga” no entorno da cidade. Caso prefira não ter carro e compartilhar um carro, a vaga fica mais próxima do centro. O centro da cidade é livre de veículos, e crianças de 5 anos podem ir para escola de bicicleta sozinhas.

Voltando ao princípio do livro, Peñalosa conseguiu criar 200 novos parques em Bogotá usando apenas terra que o Governo já possuía. Com o programa Ciclovía, ele criou uma ciclovia virtual (na faixa de carros e ônibus) todo domingo e incentivou seu uso. Depois, foi mais fácil construir uma ciclovia fixa.

Cidades móveis

O tempo de deslocamento para o trabalho tem ficado cada vez mais longo. Em dados do livro:

  • Nova Iorque = 68min
  • Londres = 74 min
  • Toronto = 80 min

Mas nós nascemos com duas pernas, certo? Nascemos para nos mover e não apenas para sermos transportados de um local ao outro por uma caixa metálica em alta velocidade. Pessoas que se exercitam tendem a ser mais felizes (e saudáveis), e o exercício não precisa ser apenas passar horas na academia, caminhar 20min para o trabalho (ao invés de 40min dentro do carro) tornará sua vida menos miserável.

Pedalar então, é o “melhor” meio de transporte. A bicicleta toma pouco espaço da via (quando comparada a carros e ônibus por pessoa) e seu uso estende a distância percorrida a pé de 9 a 16 vezes (a depender da velocidade do ciclista).

Somos influenciados pelos sistemas que nos cercam, e certas geometrias se asseguram de nos fazer prisioneiros. Não somos tão livres quanto pensamos.

Quando a cidade se organiza para ter destino desconectados e distantes, ela escraviza a população.

De forma geral (ou seja, quando se tem opção) uma pessoa anda no máximo 5min para pegar um ônibus. Esse tempo se estende para 10min se for usar o metrô ou tram/VLT, isto ocorre porque percebemos os veículos de trilhos como mais confiáveis, seguros e rápidos.

70% das viagens feitas de carro nos EUA são menores que 2 milhas (~3,2 km) o que é traduzido por uma pedalada de 10min. Infelizmente, andar de bicicleta no meio urbano é assustador (quando não estamos em cidades em que o meio de transporte já é dominante) e para mudar isso precisamos começar a deixar as ciclovias mais seguras.

Em cidades que o transporte coletivo é apenas um meio para os pobres, e então uma alternativa para todos, também temos um problema de conexão. Inclusive, um problema para os gestores públicos é que, na tentativa de não só serem honestos, mas também parecerem honestos, se precisam escolher materiais para acabamento dos veículos/estações, tendem a escolher o de “menor beleza”, para evitar comentários de que estão jogando dinheiro fora.

Mobilidade não é só uma questão tecnológica, é também cultural e psicológica

Heterocedasticidade: uma grande amostra tende a ser mais parecida do que a variabilidade interna da própria amostra. Isto é: os norte-americanos como nação são mais parecidos com os franceses como nação do que os franceses são parecidos entre si. Dessa forma, as soluções que funcionam em um país, tendem a funcionar no outro (a questão é muito mais de barrar preconceitos e implementar a solução de forma adequada).

Não há uma única resposta para a cidade. A solução vem de várias formas e aplicações.

Quando Paris introduziu o cartão de transporte coletivo como meio de pagamento, a demanda subiu 40% em um ano. O Sistema em si não havia melhorado, apenas a forma de pagar e a disponibilidade de uma tarifa mensal com uso ilimitado foi suficiente para trazer novos usuários.

No transporte coletivo, é importante abordarmos o conceito de headway. Headway é o termo técnico para o intervalo entre duas partidas. Um passageiro espera, em média meio headway, assim, se o ônibus passa a cada 20min, em média as pessoas esperam 10min. O problema aqui é que qualquer minuto que se passa PARADO parece muito mais longo do que se estivermos em movimento.

Paris resolveu esse problema em parte pela alta densidade de pessoas em todas as regiões. A alta demanda sustenta um intervalo curto. Na cidade dispersa, manter um alta frequência representa alto custo pois o serviço andaria vazio na maior parte do tempo devido à baixa densidade. Uma baixa frequência não atrai passageiros e as pessoas preferem o veículo particular.

Apenas ter acesso à informação em tempo real faz com que as pessoas se sintam mais em controle do transporte

[O avanço tecnológico desde que o livro foi escrito já endereçou parte desse problema. Hoje muitas cidades (inclusive no Brasil) tem informação em tempo real para os passageiros, GPS nos veículos e alguns projetos de transporte coletivo sob demanda foram testados, mas ainda não há uma solução dominante, e nem todas as cidades possuem sistemas integrados que permitam controle e ganhos para os passageiros e operadores. O transporte coletivo no país também é muito mais um meio para quem não tem opção do que algo que se adota, parte disso ocorre pela cultura do carro já fortemente enraizada em nós, e pelo serviço ruim]

Paris e as bicicletas (2007): o segredo de Paris é o volume de bikes, praticamente em cada esquina do grande centro se tem um posto (assim você sempre está muito perto do seu destino) e cada bike lá é usada de 3 a 9 vezes ao dia! Mais que compartilhar uma bike, os usuários compartilham um sistema: quando alguém pega uma bike com problema, ao devolvê-la vira o banco para trás, assim o próximousuário evita de pegá-la. Dentro do meio urbano, é importante apontar que ciclistas atingem a mesma velocidade média que os carros!

Sobre acidentes com bikes: a experiencia em vários países mostra que, ao implementar esses sistemas o número de acidentes sobe (com o aumento de ciclistas nas ruas). Mas o número de acidente per capta cai.

Em 2011 foi a vez do compartilhamento de carros elétricos. Tanto o sistema de carros quanto o de bikes são acessados com o cartão de transporte coletivo que dá acesso ao Metro/Tran/VLT/Bus…

Voltando para o assunto das bicicletas…

Houten, Países Baixos, é o paraíso dos ciclistas. A cidade se configurou para ter parques com caminhos peatonais e de ciclistas em seu “interior”. O transporte motorizado é feito praticamente apenas em espécie de colares metropolitanos. Todos os prédios importantes da cidade ficam longe dos colares, sendo mais diretamente acessados pelos pedestres/ciclistas. Onde há compartilhamento de via de bikes e carros, a sinalização é clara: a preferência é do ciclista.

Houten viu apenas uma morte entre 2001 e 2005 no trânsito (uma senhora ciclista de 73 anos). Na cidade, as crianças pedalam e vão para aula sozinhas com 6 anos. Um contraponto é que a cidade não emite menos poluição quando comparada com outras cidades de mesmo tamanho na região porque, quando você TEM que andar de carro, acaba pegando rotas muito longas (CONTUDO, isso pode não ser tão problemático em um cenário carros 100% elétricos e energia 100% limpa).

Mas Houten é uma pequena cidade, com quase 50k habitantes (2019). E quanto as grandes cidades?
Amsterdam tem 820k (2015) e Copenhague 650k (2017), ambas famosas por incentivarem o uso da bicicleta e essa ser o principal (ou quase) modo de transporte da população.

Especificamente, Copenhague traçou um plano para ter emissão zero em 2025, construiu novas ciclovias separadas dos carros, instalou semáforos específicos para bikes, dando a elas 4s de vantagem sob os carros, as ciclovias são as primeiras pistas a serem limpas quando neva e estão, inclusive, construindo uma “autopistas de bikes” para que as pessoas possam chegar ao centro da cidade direto do subúrbio (lá também tem um pouco da cidade dispersa, ainda que não chegue aos pés dos EUA).

A GEOMETRIA DO ESPAÇO E O MERCADO

Quando falamos de transporte, geralmente nos esquecemos que, qualquer modo que escolhemos para investir ou utilizar, esse modo ocupa um ESPAÇO. Todos provavelmente já viram a famosa figura abaixo.

 

 

Porém o livro me mostrou algo ainda mais interessante: o espaço necessário no momento do deslocamento em si. Quando um carro ou um ônibus se move, quão mais rápido ele se move mais “espaço” ele ocupa. Isso porque precisamos de proteção, contamos com o tempo de reação, etc. Até o menor dos carros precisa de 7x mais espaço do que uma bicicleta. Assim, ter um veículo e usar ele na rua, é tomar espaço e deveríamos de certa forma pagar por esse espaço!

Quando as pessoas começam a pagar o custo verdadeiro de dirigir (poluição emitida, uso desproporcional do espaço público por habitante), elas começam a “descobrir” outros modos de locomoção. O problema é que o lobby automobilístico nos induziu a pensar que o custo da direção é apenas o de ter o veículo e abastecê-lo (o que pode ser muito acessível nos EUA).

Para quem é a cidade?

Quando o Transmilênio separa largas faixas para o transporte coletivo ele manda uma mensagem clara: a rua é de todos, e a preferência deve ser levar a maioria das pessoas. Os carros particulares, taxis e mini-ônibus tiveram que se contentar com o que sobra. Por um investimento bem menor, o Transmilênio transporta mais pessoas por hora do que muitos sistemas de metrô.

Um dos segredos para uma cidade feliz é a igualdade. Não necessariamente de renda, mas a igualdade de que a cidade está lá para todos, e que as pessoas não se sintam excluídas. Assim, uma ciclovia, tem muito mais poder simbólico: uma pessoa em uma bicicleta de 300 dinheiros vale igual que uma pessoa em um carro de 300mil dinheiros. Ambos têm o mesmo direito de usar a rua e ocupar o espaço necessário para se deslocar em segurança.

Status importa. Principalmente como as pessoas se sentem. O ser humano se autojulga o tempo todo, principalmente em relação aos outros.

Nos EUA, apenas metade dos gastos com as ruas é capitaneado pelos usuários de carros (imposto sobre o veículo, gasolina e pedágios). E a maior parte deles vai para autopistas (que pedestres e ciclistas não usam). A infraestrutura dos pedestres/ciclistas custa muito menos que a dos veículos (e se desgasta menos também), mas são eles que acabam pagando o restante dos custos.

Na cidade justa (e feliz) TODOS tem acesso a parques, moradias, serviços próximos de casa, comida saudável. Crianças e idosos devem poder caminhar sem perigo. Onde todos podem se encontrar e ser quem são, respeitando o espaço e o direito do outro.

Os bairros “badalados” oferecem normalmente isso: acesso, liberdade, áreas verdes. O mercado dá conta do recado e aumenta o preço dessas residências, criando uma segregação que não condiz com a cidade feliz. Por isso, políticas públicas que não só ajudem outras vizinhanças a se desenvolverem, como também contenham os desejos desenfreados de aumentar o lucro dos capitalistas. Em Maryland, por exemplo, uma lei obrigando cada bairro a dedicar 15% das residências para famílias de baixa e média renda.

Os governos devem atuar subsidiando moradias, controlando o valor dos aluguéis e gerando políticas públicas que permitam que a cidade seja de fato para todos. O livro é sobre design, mas o design não é suficiente.

Quando Peñalosa deixou o governo, a Colômbia ainda não estava pacificada, a violência no país tinha aumentado, mas a taxa de assassinatos em Bogotá havia reduzido. Os acidentes no trânsito caíram pela metade e o dobro de pessoas pedalavam para chegar ao trabalho. O que ele trouxe para a cidade foi a simples racionalização dos bens que a cidade tinha a oferecer, ao trazer benefícios para todos, Bogotá estava mais feliz e segura.

Tudo está conectado

Em Copenhangen há um prédio em forma de oito com 10 andares. A forma como o edifício foi construída permite que você alcance a porta da sua casa de bike, mesmo morando no último andar.

Não precisamos construir cidades apenas como Houten repletas de prédios em formato de 8 para termos o lugar feliz.

Bogotá passou por 3 prefeitos que lutaram e acreditaram que o design transforma a vida das pessoas. Os programas implementados em Bogotá tinham como objetivo melhorar a vida das pessoas (não eram orientados ou motivados pela crise climática), mas como resultado, fizeram com que a cidade se destacasse como urbanismo verde.

Grandes tempos de deslocamento são mais do que aborrecedores para a população, eles também custam mais: desgastam mais a pista, gasta-se mais com serviço de emergência e com o sistema de saúde.

Quanto maior um organismo, mais frágil ele é e mais difícil dele se adaptar as mudanças. Cidades precisam ser maleáveis, pois, além da tecnologia mudar constantemente, as pessoas que ali vivem também mudam.

Uma outra forma de pensar em como construir cidades melhores é em termos de produtividade. Podemos medir produtividade em uma cidade pensando em renda e trabalho por metro quadrado. Em mais um argumento contra a cidade dispersa e mega-lojas (estilo Wall-Mart) é que elas não são eficientes (no livro, o autor cita que uma Wallmart contribui com 50k/acre em imposto e uma JCPenny pequena com 330k/acre).

Outro argumento: ao manter os limites da cidade pequenos (e não dispersos e com longos deslocamentos) a população economiza com combustível, podendo gastar mais no comércio local e movimentando mais a micro-economia da cidade. Ressalta-se que ao manter os limites pequenos não estamos falando APENAS de verticalização, mas de um complexo inteligente de zoneamento misto que deve ser fomentado pelo estado.

Fazendo um retrofit no disperso

60% dos estadunidenses dizem preferir morar em uma vizinhança com uso misto em que se possa “resolver a vida a pé” (isto é, fora do subúrbio). Mas é uma parcela pequena da população que consegue de fato realizar esse desejo (em Atlanta, 10%), devido à baixa oferta e altos preços das residências nesses locais.

Enquanto isso, o perfil da população muda, em que as famílias têm diminuído, a pirâmide etária envelhecido e a demanda por moradias melhores e bem localizadas, aumentado.

O autor propõe e dá exemplos de como recuperar/melhorar as vizinhanças já existentes americanas. Para começar, é necessário conseguir a mudança na lei que permite o uso misto, e, em seguida, usar os mega estacionamentos das mega-lojas para construção de pequenos centrinhos.

As leis moldam o espaço em que vivemos, e são um elemento essencial para a vida em sociedade. Quando elas não funcionam, precisamos lutar para modificá-las.

Curiosamente, o autor também cita a dificuldade de mudar as leis sobre o argumento vazio e conspiracionista do “terror vermelho” usado pelos conservadores nos EUA que temem que, a política de uso compartilhado de veículos, ciclovias e cidades mais humanas transformariam o país na URSS. Mal sabem eles que, um dos arquitetos mais influentes é Le Corbusier, socialista europeu e defensor ferrenho da segregação e zoneamento estratificado que molda as maiores cidade até hoje, refém de uma ideia contemporânea (à época) e que se mostra ineficiente (hoje).

Salve a cidade, salve você mesmo

[Quando eu penso em uma cidade organizada, penso em] cidades com grids ortogonais bem construídos, avenidas e calçadas amplas. Esse modelo serviu incrivelmente bem aos assírios e romanos na conquista de cidades. O grid é a forma mais fácil de dividir a terra, reparti-la e acessar os locais.

Talvez, essa não seja a melhor forma de continuarmos nos organizando.

No livro, o autor levantou vários pontos de como as cidades hoje são construídas e organizadas, como as pessoas querem viver e como o design pode ajudar-nos a construir um sonho comum. Nosso ambiente e cultura nos moldam, e temos feito decisões que vão ao contrário do que os nossos anseios indicam. No mundo todo, cidades são construídas orientadas a um conceito de privacidade e liberdade que, efetivamente, alcança poucos e é ilusória. Precisamos, mais do que nunca, entender o que queremos (ser feliz) e tomar as ações que nos levam a esse caminho, não o contrário.

Prefeitos e planejadores visionários mostraram que é possível transformar até a mais aterradora das cidades por meio do design e das políticas públicas certas, que fortalecem o comum, não o individual. Adotando um novo conjunto de regras que nos une de forma mista (E não segregada) comprova pela experiência de que é o caminho mais eficiente, verde e feliz que podemos tomar.

Levará tempo, como toda grande mudança. Construímos a mudança, sendo a mudança. O autor faz um apelo para que cada leitor repense como se move pela cidade, onde vive e lembra: por vezes, morar mais perto do trabalho e ganhar menos é melhor (o ganho nas pesquisas precisa ser de 40% a mais, lembre-se!). Quando cada um faz algo, podemos inspirar os que estão a nossa volta e iniciar a selecionasse revolução para ter uma cidade feliz.

Tentei sintetizar todos os argumentos que o Charles coloca para defender uma cidade mais justa e feliz para todos. O centro das ideias que ele expõe está baseado na evidência de cidades que valorizaram o bem comum, incentivaram o uso de bicicletas (mesmo em clima frio como a Dinamarca ou violento como em Bogotá), a presença de parques espalhados pela cidade e uma forma de desenvolvimento imobiliário mista, que proporcione acesso a serviços a mais pessoas sem a necessidade de grandes deslocamentos.

Espero que esse livro mude algumas mentes e alcance, principalmente o poder píblico brasileiro. Como o autor evidencia, a mudança pode começar silenciosa dentro de cada um de nós, mas sem uma diretriz política com leis que permitem e incentivem a cidade feliz, continuaremos presos no lobby automobilístico de deslocamentos pendulares estressante e minadores de energia produtiva e criativa.

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