Como o mundo realmente funciona
O livro COMO O MUNDO REALMENTE FUNCIONA (HOW THE WORLD REALLY WORKS), do autor VACLAV SMIL, é um presente para quem adora argumentos bem embasados em dados. A leitura é fácil e, apesar de não envolvente (o autor não usa tanto recursos moderninhos de storytelling) foram necessários poucos dias para absorver todas as páginas e entender um pouco mais de onde estamos situados dentro da crise climática e de abastecimento que se avizinha.
Vaclav coloca todos os fatos à mesa, e, ao lê-lo, a impressão é de que o fim está próximo… Porém, seu estilo é tão ligado aos fatos, que a leitura é leve, não saímos achando que tudo está perdido. Apenas com uma ideia mais clara de onde estamos, do que dependemos e do quais desafios precisamos superar para continuar a compartilhar a vida com a Terra…
Vem comigo para uma resenha, de fatos atemorizantes, concretos e com pouca especulação sobre o que nos aguarda no futuro em sociedade.
Porque precisamos desse livro
Gostei já do começo. Que melhor forma de prender o leitor sendo claro do porquê e para que o livro foi formulado? Vaclav nos dá uma breve aula de história e brinca, quem em meados de 1850 todo o conhecimento humano poderia ser “reduzido” às famosas enciclopédias. Hoje, temos avançado em tantos campos que transitar entre os vários campos do conhecimento se tornou uma tarefa dificílima, tamanha a nossa especialização (atomização do conhecimento).
Essa vastidão de informação (tanto pelo aprendizado humano, quanto pela possibilidade de armazenar e repassar informação através de geração devido a linguagem escrita/gravada) não torna a tomada de decisão mais fácil. Infelizmente, nossos problemas, sejam eles logísticos, produtivos ou verdadeiros dilemas morais e éticos, não param de escalar.
Um dos pontos citados pelo autor é da iteração da sociedade geral com verdadeiras caixas-preta de conhecimento, o que diminuiu de maneira substancial a profundidade de conhecimento que a sociedade carrega como um todo. E isto, é problemático. Como exemplo, pode-se citar a urbanização (+90% moram em cidades) que gera uma desconexão preocupante do que é essencial para o ser humano: alimento. Quando alguém no centro de uma megacidade come em um restaurante um prato de arroz com feijão, tem-se consciência do custo para que aquele prato se materializa-se? A logística para transportar o grão… quanto de combustível teremos gastado? E a estrada, já existia? Era de concreto? Quanto tempo para um feijão nascer? Quanta área terrestre é necessária para que eu me alimente por 1 ano? Quantas pessoas trabalham no campo para que o país inteiro possa comer? (a resposta para essa última é 1% da população, no caso dos EUA).
Essas perguntas podem parecer simplistas, mas respondê-las exige pesquisa, reflexão e o conjunto da resposta revela uma verdade alarmante: o quão sensível é nosso modelo social atual.
Outro descompasso apontado pelo autor é do que nossa sociedade valoriza como profissão não é essencial à nossa mais básica sobrevivência. Se todos concordamos que alimentar é uma necessidade básica, porque os empregos “no campo” são tão desvalorizados? Advogados, economistas, programadores… profissões com altos salários e que estão desconectadas da “realidade material da vida na Terra”, para citar Smil.
Quando transferimos esse descompasso para países inteiros, temos que lembrar que, hoje, grande parte da população terrestre ainda vive em situação precária, que a minoria afluente sobrepassou a gerações atrás.
Esse livro quer reduzir o GAP de inocência, mediocridade, ignorância que habita em nossas mentes pequenas… O que é preciso para salvar a humanidade de si mesma?
Eu não sou pessimista ou otimista. Sou apenas um cientista tentando explicar como o mundo realmente funciona, e usarei esse entendimento para compreender melhor as limitações e oportunidades de nosso futuro.
A realidade não é maleável. Temos que lidar com ela tal qual a construímos. Remoldá-la será um processo lento e árduo. A inovação e a mudança exponencial do mundo modernos pintam uma ilusão de que a transição será suave? Pense de novo e vamos explorar juntos com Vaclav quais são as engrenagens que precisamos trocar…
Compreendendo energia
Energia = capacidade de realizar trabalho = ato de produzir uma mudança na configuração de um sistema que resiste a essa mudança = várias formas: gravitacional, elástica, cinética, calor, elétrica, química, nuclear…
É provável que o uso do carvão para aquecimento passou o uso da biomassa na Inglaterra por volta de 1620, chegando a 75% em 1700. Apesar dessa mudança em 100 anos, o mundo entre 1600 e 1850 eram bem similares, o uso de energia cinética era obtido que inteiramente por força animal ou humana, e apenas 15% por energias “alternativas” (moinhos, rodas d’água…). Adiantemos para 2020: mais da metade da energia mundial é gerada por combustíveis fósseis (gás e carvão).
Com o passar dos anos, nos tornamos mais eficientes, é verdade. Desde 1800 tivemos um “aumento em eficiência” da ordem de 3500. Isso significa que, apesar do aumento assombroso da população do planeta, cada pessoa tem “à sua disposição” 700 vezes mais energia que no início do século XIX.
ANO | POPULAÇÃO | OFFERTA DE ENERGIA (GJ per capta) |
1800 | 1 bi | 0,05 |
1900 | 1,6 bi | 2,7 |
2000 | 6,1 bi | 28 |
Mais energia disponível possibilita um estilo de vida inimaginável a 200 anos atrás, uma melhora na alimentação (mais variedade), viagens em larga escala, comunicação instantânea… Sim, nem tudo é acessível para todos, mas a média global aumentou notadamente. O ponto central é que, bem, energia é o centro de qualquer economia.
Energia é a única e verdadeira moeda universal.
Dependemos largamente da energia (sob suas várias formas) para sobreviver: para nos manter aquecidos, para nos locomover, para produzir bens materiais e alimento. Por isso a matriz energética abre esse livre e por isso é vital que compreendamos que ainda estamos longe de substituir toda nossa produção de energia por um método sustentável (ambientalmente e financeiramente falando).
Nossa produção de alimento está fortemente ligada ao uso da amônia (nitrogênio como fertilizante) que depende do uso de gás natural. A alternativa por eletrolise ainda é 5x mais cara e não viável (não temos produção em larga escala).
Reatores nucleares são extremamente rentáveis, produzindo por cerca de 90% do tempo. As melhores usinas de vento geram energia apenas 25% do tempo, e painéis solares (na Alemanha) 12%. Todas essas fontes ainda são problemáticas quanto a bateria.
Combustíveis liquidificáveis são excelentes, pois são facilmente armazenados, leves e fáceis de distribuir. Endereçar o problema da energia perpassa por lidar com todas essas dimensões.
A mudança de carvão para petróleo demorou gerações. Sair da nossa dependência do petróleo (ou do gás natural) será mais difícil, pois agora lidamos com desafios de armazenagem, custos de produção e distribuição que estão sendo forçados para baixo em nome de um futuro sustentável. No passado, o petróleo se demonstrou apenas como uma melhor solução “natural” que o carvão. A alta disponibilidade do petróleo (com a descoberta de poços na URSS, nos EUA e mais tarde nos Emirados) foram um “incentivo à ineficiência”. A guerra de preços atuou finalmente como um regulador da evolução tecnológica, os assuntos climáticos começaram a se destacar e o petróleo foi da principal fonte de energia do mundo para “apenas 33%” em 2019.
A energia renovável ainda é uma solução na corda bamba. Para grandes cidades, ainda não temos uma solução de grande escala e tempo (armazenamento de dias/semanas) para que seja uma fonte segura de abastecimento. Aqui temos que lembrar que uma cidade é mais do que o nosso “novo habitat natural”. Instalar painéis solares em nossas casas e ter baterias na garagem é só o começo do problema do abastecimento nos centros urbanos. A eletricidade para uso comercial é custosa e deve ser constante e confiável. Apesar de todas as inovações, ainda não temos uma solução para armazenar energia suficiente para uma cidade de 500k habitantes por uma semana, ou meio-dia para uma megacidade com mais de 10 milhões de seres. Por isso, várias nações desenvolvidas têm aumentado sua parcela de renováveis, mas mantém uma fração relevante ainda em petróleo/carvão ou nuclear.
Se a energia é a moeda universal, eletricidade é sua materialização em papel-moeda. Sem ela não teríamos nossos queridos aparelhos eletrônicos, sistemas de segurança e refrigeração, ou até água e gás em nossas casas. O autor estima que o consumo de energia pode ser categorizado em 18% na forma de eletricidade. Nossa confiança no sistema elétrico já chega a apenas 32 segundos de interrupção por ano, ter apenas alguns dias de interrupção seria um evento catastrófico em qualquer cidade mais densa.
Nossa reserva e carvão ainda dura 120 anos. De petróleo por mais 50 anos. Por que a pressa em mudar a matriz energética? Ora, a crise climática (se você não acredita nela, nem precisa continuar a leitura ) determina que, para travarmos o aumente ordem 1,5~2,0ºC precisamos zerar nossas emissões de CO2 até 2050.
DISCLAIMER: a meta é “net zero” o que significa que podemos continuar a “emitir”, desde que equilibremos isso armazenando CO2 existente na atmosfera no solo. A piadinha é que essa solução ainda não existe em escala global! Outra técnica (não permanente) é plantar árvores de forma massiva…
Toda a discussão de fontes alternativas permeia o delicado assunto de que a geração de energia por meio da indústria nuclear é extremamente eficiente (gera por 90% do tempo) com um bom custo/benefício (instalações funcionais por cerca de 40 anos) MAS encontra uma grande resistência sistêmica devido ao grande impacto de destruição que causa quando “algo dá errado”. Essa percepção de risco, na visão do autor é enviesada e é abordada no capítulo 5 em detalhes.
A produção de energia elétrica corresponde a cerca de 18% da emissão de CO2. Mudar a matriz energética é visivelmente um desafio, mas dentro os que ainda serão apresentados, talvez seja o mais fácil, pois o caminho se pode entrever, com a combinação de energia eólica, solar e nuclear. Difícil mesmo será reduzir a emissão de CO2 para o transporte, a indústria…
A Alemanha deu um grande shift em usa matriz energética, em 2 décadas conseguiu subir o % de energia renovável para 50%. Contudo, a redução das emissões ficou apenas na casa dos 6%. Nossa dependência por combustíveis fósseis não é só percentual, mas também absoluta (o crescimento acentuado e levemente (?) orientado para a sustentabilidade resultou em uma diminuição do combustível de 93 para 85%, mas seu consumo absoluto mais do que triplicou). Entender essa dependência e a falta de substitutos implica que a descarbonização é uma tarefa impossível de ocorrer na velocidade almejada. O autor não quer desanimar o leitor, apenas evidenciar que essa mudança não será radical, instantânea ou fluída, teremos que construir o declínio de maneira lenta e consistente.
Compreendendo a produção de alimento
“O uso direto de energia para a produção de comida representa apenas 1% da oferta de energia nos EUA. Contudo, após somarmos toda a energia necessária para o processamento dos alimentos, marketing, envase, transporte, cadeia de vendas, armazenamento e entrega na casa do consumidor, alcança-se quase os 20%”
A agricultura e a domesticação de animais permitiram que o homem se consolidasse como o ser social que é. Controlar a alimentação nos deu previsibilidade, garantia de alimento em todas as épocas do ano e foi isso que impulsionou o crescimento de cidades cada vez mais densas.
Quanta terra é necessária para alimentar uma pessoa? [Recentemente venho me perguntado isso, pois tenho me interessado por projetos de autosuficiencia e buscado compreender grupos de pessoas que tentam viver sem depender diretamente da sociedade capitalista (movimentos mais comuns na Europa, Nova Zelândia). Bem, Vaclac me deu uma resposta histórica:]
Nos primórdios da agricultura, eram necessários 100 hectares (140 campos de futebol) para alimentar de 2 a 3 pessoas. No Egito antigo, com maior conhecimento e tomando vantagem das terras férteis do Nilo chegamos ao número de 1,3 pessoas por hectare até 2,5 pessoas por hectare! Passamos de aprox. 70 campos de futebol para apenas 6 quadras de tênis para alimentar um indivíduo!
O Nilo proveu uma condição excelente para os egípcios. A Realidade mundial ainda era de 1 hectare por pessoa… mas no século 16 a cultura intensiva na China chegou à marca de 3hec/pessoa e na Europa só atingiu 2 hec/pessoa no século 18.
Hoje, a maior parte da preocupação alimentícia de pessoas que vivem em países afluentes (ou até em desenvolvimento) não é se terão que se preocupar em ter ou não comida, mas sim qual dieta é mais saudável (ou simplesmente saborosa, para os menos fitness)
A FOME é uma preocupação mundial, especialmente nos países subdesenvolvidos e na África Subsaariana. Contudo, enquanto a falta de alimento era uma realidade de mais da metade do planeta, nas últimas três gerações esse número caiu para cerca de 10% da população mundial.
Sim. Ainda temos um número alarmante de pessoas passando fome. Mas também precisamos apreciar a queda drástica ao longo dos anos. A tabela mostra não só a redução % mas também que, em 1950 o mundo alimentava “bem” cerca de 890mi de pessoas, e, em 2019 alimentamos “bem” 7bi de pessoas.
ANO | % DE PESSOAS SUBNUTRIDAS (MUNDO) | #ABSOLUTO (aprox.) |
1950 | 65 | 2,5 bi * 65% |
1970 | 25 |
|
2000 | 15 |
|
2019 | 8,9 | 7,7bi * 8,9% |
Fonte: United Nation Food and Agricultural Organization
Colocar em perspectivas esses números é incrível. Como isso foi possível? Uma combinação de ciência aplicada para melhorar as plantações, controlar pragas, entender os ciclos do clima, mecanização da plantação e extração… e bem… infelizmente tudo nos leva novamente aos combustíveis fósseis!
De onde retiramos energia para transportar alimentos? Para plantar alimentos? Para produzir as ferramentas e máquinas que utilizamos? Para garantir a irrigação apropriada? E os fertilizantes?
Para colocar em perspectiva a dificuldade (ou a facilidade) do plantio e cultivo, o autor exemplifica exatamente como era feito o plantio do trigo em três locais e épocas distintas. Começamos em 1801, no estado de Nova Iorque. Resumidamente, cada 10 minutos trabalhados de 1 homem, resulta em 1kg de trigo (o que daria quase 1,5kg de pão).
100 anos depois, vamos para Dakota do Norte. Aqui já temos um início de mecanização animal, que ajuda no plantio e o conjunto da obra nos dá 1kg de farinha para apenas 1,5 minutos trabalhados. Enquanto no primeiro caso dependíamos praticamente apenas da luz do sol e do nosso trabalho, aqui já usamos animais, ferramentas e energia proveniente do carvão para atingir nosso objetivo: ser mais produtivo.
Vamos agora para 2021, e o estado americano que lidera a produção de trigo é outro? Kansas. Chegamos a assombrosos 2 segundos de trabalho humano para ter 1kg de trigo. Graças a essa eficiência assombrosa na produção de alimento é que pudemos “mover” nossas mentes para outras áreas, e migrar a maior parte da população para cidades e não para o campo. Se estivéssemos todos preocupados com o que comer, não teríamos computadores, viagens internacionais e tanto conforto.
Mas qual seria o problema com a agricultura moderna? Dependemos de energia para operar nossas máquinas, transportar e armazenar. Mas também precisamos dos chamados agroquímicos. Esses são os vilões e heróis do nosso plantio.
Enquanto fungicidas, inseticidas e herbicidas protegem a plantação, fertilizantes são responsáveis por garantir uma maior eficiência do plantio. Os primeiros são necessários em baixas quantidade por hectare e o segundo são utilizados em larga quantidade (não pela necessidade em si, mas pela forma como são absorvidos pelas plantas).
Assim, para cada kg de comida produzida, temos uma quantidade de combustível gasta (seja ele fóssil ou não). Para o trigo, essa proporção aproximada é de 100ml de diesel para cada kg de trigo (isso apenas para a produção, sem adicionar custos de transporte). Para a carne, esse custo é provavelmente o dobro, podendo chegar a 1L.
O autor nos dá o exemplo visual de que, para que uma galinha chegue ao seu prato, assada e deliciosa, você teria meia garrafa de vinho cheia de diesel para acompanhar toda essa produção… Sem falar nos animais marinhos, como camarões e lagostas, que chegam a quase 1L/kg. (o problema dos crustáceos e dos peixes aumenta quando adicionamos o fator cultural, uma vez que a maior parte das dietas é baseada em peixes carnívoros, e por isso tem um custo maior de cultivo do que peixes herbívoros).
O autor também relata o “problema” da produção de comida fora de época, que é feito a custas de estufas de plástico, fertilizantes e transporte de grande distância. Um simples tomate consumiria cerca de 5 a 6 colheres de sopa de petróleo… e se pergunta: quanto veganos estão cientes que sua dieta não os deixa “imune” da fatura climática?
Diante desses fatos, é notório que a maneira como solucionamos o problema de alimentar 7bi de pessoas não se sustentará a longo prazo. Além da preocupação climática, a agricultura extensiva reduz a biodiversidade e, a verdade, é que o excesso de comida (já que produzimos muito, mas distribuímos mal) pode ser visto como um incentivo ao desperdício. Segundo a FAO, perdemos anualmente cerca de metade de todas as razies, frutas e vegetais plantados, um terço dos peixes e um quinto de carne, sementes e laticínios.
Poderíamos voltar à produção orgânica? O autor deixa claro que isso exigiria a volta de muitos para o campo, a necessidade de mão de obra seria iminente e parece um tanto irreal que a sociedade moderna se curve a esse novo velho estilo de vida. Comer menos carne (um bom indicador é consumir o seu próprio peso durante um ano de proteína animal) e evitar o desperdício são ações que impactam sim o meio-ambiente, particularmente na necessidade de nitrogênio (e, portanto, diminuído a quantidade de diesel necessária para produzi-lo).
Outra estratégia é o plantio de mais leguminosas (o que incentivaria esse tipo de dieta) que liberam mais nitrogênio no solo que grãos, mas deve ser feito com cautela pois limita a produção de mais de uma safra por ano (aumentando assim nosso ratio de 1hec/pessoa).
O autor, sem entrar em muitos detalhes, mas apresentando alguns argumentos sólidos, expõe nossa necessidade natural de sim, manter uma dieta rica em proteína animal, porém moderada e alerta como muitos países desenvolvidos não possuem o equilíbrio desejado, enquanto países subdesenvolvidos ainda apresentam um grande déficit na alimentação animal proteica e de derivados do leite.
É importante abordar esse assunto pois ele lembra que, a diminuição da alimentação animal também contribui indiretamente com a emissão de gases uma vez que parte das plantações existe para realizar a alimentação de animais de abate.
Em resumo, devemos ter uma consciência de que a questão alimentar não depende apenas da troca de uma matriz energética para energias limpas, mas também do transporte, da indústria que produz todo o maquinário, da síntese de nitrogênio e da equalização das dietas ao redor do mundo. Mais uma vez, fica claro que a transformação não será fácil.
Compreendendo nosso mundo material
Comida e energia são essenciais par nossa existência. E tudo o que descrevemos não seria possível se também não tivéssemos desenvolvido a indústria de materiais em larga-escala. Quais seriam os materiais mais importantes para a sociedade moderna? Para Smil, são quatro: cimento, aço, plástico e amônia.
O consumo desses quatro materiais em 2019 foi o seguinte:
- Cimento – 4,5 bi de toneladas
- Aço – 1,8bi de toneladas
- Plásticos – 370 mil de toneladas
- Amônia – 150 mi de toneladas
Esses quatro pilares não são substituíveis no nosso futuro visível e, infelizmente, todos dependem massivamente de combustíveis fósseis.
Sem fertilizantes baseados em amônia, seria impossível alimentar cerca de 40/50% da população mundial. Sua função é essencial para a alimentação e seu uso complexo. Em altas quantidade pode ser fatal, é extremamente volátil e por isso precisamos aplicar no solo mais do que realmente é consumido pelas plantações. Seu uso é desigual no mundo (60% da produção de fertilizante é aplicado na Asia, 25% na Europa+America do Norte e apenas 5% em todo o continente africano.
Plásticos são largamente usados para envases, tubulações e instrumentos. São leves, maleáveis, resistentes e duráveis. Sua produção industrial iniciou-se em 1910 para plástico moldável, que variava desde pequenas peças para eletrônicas até armas na segunda guerra mundial. A categoria dos plásticos é extensa, e envolve: PVC, acetato de celulose, Neoprene (borracha sintética), poliéster, plexiglass, nilon, Teflon, poliestireno, polietileno, PET, policarboneto, e várias marcar DuPont (Tyvek, Lycra, Kevlar). No final do século XX, mais de 50 tipos de plásticos estão presentes no mercado em escala global, a produção dos mesmos é assustadora:
ANO | TONELADA |
1925 | 20 K |
1950 | 2 MI |
2000 | 150 MI |
2019 | 370 mi |
O PVC tem uma participação especial em nossas vidas, já está presente em mais de 25% dos produtos relacionados a saúde, nas nossas casas não só em itens de utilidade doméstica como em sua estrutura, nos brinquedos, nos escritórios e nos cartões de crédito, que usamos para comprar tudo que nos cerca.
O aço também é um componente com muitas variações (mais de 3.500 !) e é peculiar pela sua baixa ductibilidade (habilidade de se estivar) e resistência sob tensão (“inquebrável”). A resistência do aço é 7x a do alumínio e 4x a do cobre. Além disso, aguenta altas temperaturas (fundem a 660ºC para alumínio, 1085ºC para o cobre e 1425ºC para o aço). De pontes a geladeiras, de engrenagens a lâminas… sua presença é dominante no mundo moderno e, devido a suas características, por hora, é insubstituível. Praticamente qualquer outra peça metálica ou não-metálica que precisa ser extraída, processada e distribuída teve em sua cadeia de produção envolvimento com peças, ferramentas e máquinas feitas ou compostas por aço.
Encontramos aço em carros, trens e aviões (nesse último, são 10% do seu peso!). Com aço matamos (facas e armas) e salvamos (diversos equipamentos hospitalares) … consumimos aço em uma quantidade assombrosa.
Teríamos que nos preocupar com sua escassez? O AÇO é feito majoritariamente de FERRO, e nosso planeta possui estoque suficiente para 300 anos pelas contas do autor. Além disso, a reciclagem do aço se tornou um negócio viável, o que contribui para a extensão desse prazo. Do total de metais comercializados, o aço reciclado corresponde a 30%.
A produção de aço na escala atual é responsável por cerca de 8% de emissões diretas de CO2 e exploraremos alternativas mais à frente. Curiosamente, nosso último elemento crítico é o cimento, que também contribui com uma fatia próxima a 8% da emissão de CO2 não por ser um produto de extração intensa, (pelo contrário) mas por ter uma produção global três vezes maior que a do aço.
Concreto é composto por cimento, e suas duas formas são dominantes na construção global. Desde 2007 a maior parte do mundo vive em grandes centros urbanos, cidades que só se tornaram possíveis pela combinação de estruturas de aço e cimento. Canos gigantes, fundações, prédios, túneis, estradas… O concreto Romano se provou resistente (o Panteon tem 2k anos!) mas o cimento moderno suporta a pressão de 100 megapascals (um elefante sob uma moeda) e é facilmente quebrável (5 megapascals = cortar a pele humana). Assim, nasce o concreto armado, a junção do cimento com o aço torna os arranha-céus realidade.
Fatos assombrosos. Em dois anos (2018 e 2019) a china produz mais cimento que os EUA em todo o século 20. Hoje, é o país com a maior infraestrutura do mundo (malha viária, hidrelétricas, arranha céus). O maior problema é que grande parte do cimento que produzimos hoje tem uma duração que varia com sua estrutura (e não chega nem perto dos 2k anos dos Romanos). A renovação ou substituição das estruturas faz com que necessitamos de continuar a produção em massa, a maior parte dos países do mundo ainda não apresentam infraestrutura básica e deverão passar pelo boom que a China passou, e a reciclagem desse material deve ser pensada e mais bem estruturada.
CONCLUINDO (a introdução), todos esses quatro materiais são extremamente importantes para a vida como a conhecemos hoje, e o mundo hoje, mesmo considerando o aumento da demanda nos países subdesenvolvidos, não devem encontrar problemas quanto a DISPONIBILIDADE desses matérias, especialmente aplicando as técnicas já existentes de reciclagem. Contudo é improvável que, até 2050, todas essas indústrias tenham eliminado a necessidade de combustíveis fósseis para sua produção.
O PARADOXO: hidrelétricas são o símbolo da energia limpa, mas elas em si carregam uma imensa quantidade de combustíveis fósseis em sua produção e essência: desde o cimento, passando pelo aço e plástico.
Globalização – seus benefícios e riscos
O que a globalização trouxe para o mundo? Hoje, estamos conectados em uma rede que movimenta 20 trilhões de dólares, materiais, comida, serviços, pessoas e informação fluem ao redor do globo transformando os países e o futuro. As grandes navegações a partir de 1400 conectaram o mundo, o telégrafo foi a primeira experiência de comunicação (quase) instantânea. Pensar na evolução humana dos últimos 500 anos é algo difícil de compreender. No século 17 e 18, cruzar Amsterdam até Batavia (atual Jakarta) durava cerca de 18 meses, sendo o vento o principal “motor”.
Com o telégrafo (1830~40), as transações econômicas transatlânticas passaram a ter o benefício de oferta e demanda pela primeira vez na história. Em 1900, 1 a cada 56 casas nos EUA já tinham o próprio telefone. A primeira ligação internacional (entre USA e UK) ocorreu somente em 1927.
Os motores a diesel chegaram em 1912 e eram mais leves e potentes que os alimentados por carvão. Em 1930 a aviação (por meio do avanço do diesel) começa a ser economicamente viável. Além da melhoria mecânica, uma outra invenção crítica foi o rádio, tanto para a navegação marítima quanto aérea.
O turismo surge como uma nova possibilidade. E aos poucos deixa de ser um luxo de pouquíssimas famílias ricas, para se expandir para a classe média. Em 1970 o número de turistas era pouco mais de 200 milhões, e em 2018 chegou a 1.4 bilhões de pessoas transportadas anualmente.
Enquanto os meios de transporte foram se tornando mais rápidos e maiores (permitindo o aumento da carga transportada), tivemos um movimento oposto que contribui para a globalização de forma igualmente importante: a miniaturização da tecnologia: chips cada vez menores e mais rápidos possibilitaram a produção de microcomputadores e hoje, não se pode falar de futuro sem inteligência das coisas ou inteligência artificial.
O centro do mundo migrou, desde Amsterdam (o início do comércio global) passando pelo império ibérico, português francês e inglês no período das grandes navegações e após a segunda guerra com os EUA em destaque. Em 1972, após a visita de Nixon à China, o pêndulo começa a mudar. Neste ano, a China tinha 0 comércio com os EUA e em 1984 foi o último ano em que os EUA fecharam no positivo em relação à China. Em 2009, a China se tornou o maior exportador de bens do mundo. Em 2018 o país foi responsável por 12% do comércio global.
Afirmar que a China será, seguramente o novo polo mundial, ainda que provável, e uma previsão arriscada. Ainda há muito para acontecer, e o autor lembra alguns fatos importantes também sobre a Índia, um país que também vem crescendo seu PIB a uma grande taxa e cuja contribuição intelectual (levando em conta o Vale do Silício como parâmetro) superior à da China.
A lei de Moore diz que a capacidade de processamento dobraria a cada dois anos, e, desde 1965 sua profecia se concretizou. Entre 1971 e 2019 a capacidade de um microprocessador aumentou 17,1 bilhão de vezes, e permitiu absorver a crescente demanda por informação.
Mas nem tudo é um mar de rosas… particularmente no século XX a globalização deu alguns passos atrás. Isso se deveu a uma série de eventos infortúnios:
- Fim da dinastia Qing na China (1912)
- Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
- Fim do czarismo na Rússia, tomada do poder pelos bolcheviques seguido de guerra civil e culminando na criação da URSS (1917-1921)
- Fim do império Otomano (1923)
- Instabilidade política geral na Europa nos anos 1920
- Colapso econômico nos EUA com impactos globais (1929)
- Invasão do Japão à Manchúria (1930)
- Guerra Civil Espanhola (1936-1939)
- Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
- Guerra civil na China (1945-1949)
- Guerra fria (iniciada em 1947)
- Proclamação da República da China por Mao (1949)
Como resultado tivemos uma desaceleração do crescimento do PIB global, mas nada que já não tenha sido recuperado. [O livro foi lançado pouco depois da COVID e não trata dos impactos da pandemia. De qualquer forma, ainda é muito cedo para compreender o que os anos de pandemia de fato impactaram no mundo, seja pela redução do comércio seja pela aceleração de vários aspectos da vida humana, como o teletrabalho, o aumento da bancarização, avanço em lançamento de remédios/vacinas, entre outros].
O fato é que hoje, nenhum país sobrevive por si só. Se antes o comércio e a troca internacional representaram um aumento na qualidade de vida tanto de quem vendia quanto de quem comprava, hoje, a dependência é muito mais estreita. UK e Japão importam alimentos, EUA minerais preciosos, e a China precisa de mais ferro do que suas reservas naturais têm disponíveis. Casa país tem sua fraqueza e fortaleza, e um mundo globalizado pode, no futuro, significar simplesmente um mundo sem fronteiras.
É importante tratar de um outro fator: apenas 18% das trocas mundiais são consequência da “arbitragem geográfica de mão de obra”. Custos menores de mão de obra não mais significam que fábricas irão correndo para certo local. A cada dia a produção fica mais especializada e necessita de pessoas extremamente hábeis.
A OCDE observou a tendência que, a partir de 2011 a troca de bens intermediários diminui, o que significa que os países tem mantido parte de sua produção e consumo o mais local possível. Com a crise de produção desencadeada pela COVID-19, a OCDE também passou a estudar, recomendar ou conceber um tipo de acordo que orientará o mundo em cadeias de valor mais fragmentadas e espalhadas pelo mundo, a descentralização da produção pode aumentar os custos, contudo, traz mais segurança para todas as nações. (70% das luvas de borracha do mundo é produzida em apenas uma fábrica, esse tipo de monopólio oferece um risco enorme para a gestão de recursos e segurança de todos).
RISCOS GERAIS
Vimos o número de (grandes) conflitos que ocorridos durante o século 20. Contudo, apesar de um constante bombardeio da mídia quanto a guerras, violência doméstica e tragédias mundiais (tsunamis e terremotos), vivemos o período de maior paz e maior expectativa de vida na história da humanidade.
Isso ocorre porque riscos existem, mas a percepção do risco é facilmente falseada pelos nossos vieses.
Coma como em Kypoto (ou em Barcelona).
Se você nasceu no Japão, em plena pandemia, sua expectativa de vida é de 84.6 anos para homens e 86,2 anos para mulheres.
Este capítulo é extremante interessante pois discorre sobre (quase) todas as variáveis que determinam nossa expectativa de vida. O curioso, é que apesar das diferenças entre as nações, é difícil apontar um fator que causa a diferença em cada local. Um exemplo é a Espanha, que possui taxas parecidas com o Japão, mas os ibéricos consomem 2x mais carne que os japoneses, 4x mais gordura e 40% mais açúcar.
Essa dieta contraintuitiva não se auto justifica. Devemos lembrar que a expectativa de vida é um misto de alimentação, genética, atividade física e o ambiente que o cerca (o Japão sofre mais com tragédias naturais que a Espanha, por exemplo).
Quando as pessoas pensam que “estão no controle da situação”, tendem a se arriscar mais. Estar no controle, certamente, é enviesado por experiencias passadas e, por vezes, uma atividades como escalar uma pedra é percebida “sem medo” por um indivíduo que pode ter pavor de morrer de um ataque terrorista, e, no entanto, a escalada é muito mais arriscada.
Como a percepção de risco é subjetiva, muitos cientistas/pesquisadores advogam que o chamado “risco objetivo” é inexistente. Contudo, a discussão de risco permanece relevante: quando se justifica uma fábrica de energia nuclear? Tudo dependerá da nossa percepção de risco social…
[lembremo-nos que produzir energia nuclear é a forma mais eficiente]
Atualmente, 1.2 milhões de pessoas morrem no trânsito *diariamente*. Essa cifra é tolerada “pacificamente” pela sociedade, que segue dirigindo… enquanto o mesmo quantitativo de mortos em um acidente pontual, como o colapso de uma ponte ou de prédios, não seria tolerado sob nenhum aspecto.
Dentre as várias estatísticas demonstradas no livro, uma me chamou a atenção, ainda que dada apenas para a Inglaterra e Escócia: para homens, a doença que mais mata entre os 50 e 70 anos são doenças ligadas ao coração. Já para mulheres o quadro é distinto: entre 30 e 60 o câncer de mama lidera, e, após essa idade, o recordista é o câncer de pulmão. A demência e o Alzheimer seguem também após a idade avançada, tendo desplazado as doenças do coração.
Outras curiosidades mórbidas:
- Quedas acidentais matam tanto quanto câncer de pâncreas
- Acidentes de moto matam 2x mais que diabetes
- Envenenamento e substâncias tóxicas matam mais que câncer de mama
O autor chama a atenção também que o risco está associado não só à população total sujeita a ele, mas também ao tempo ao qual nos expomos a uma determinada atividade. Um exemplo seria a direção, que é uma ordem de magnitude mais perigosa que voar, e que, sua chance de morrer aumenta 50% quando comparado a ficar em casa (sem fazer nada muito arriscado, como subir a escada, hehe); também é interessante a retrospectiva que ele faz sobre a aviação, concluindo seus cálculos, ele afirma que voar em 2019 é 5x mais seguro quando comparado a 2010, e 200x comparando com 1950.
Ele, inclusive, chama a atenção sobre a necessidade de evitarmos ficar em hospitais o máximo possível, pois isso aumenta o risco de morte. Obviamente, o autor não está clamando para uma anarquia onde ninguém se trata ou vai ao médico, mas achei bom ele provar com dados, especialmente chamar a atenção para o abuso de procedimentos cirúrgicos fúteis (cosméticos) que expõem uma pessoa a riscos desnecessários.
Das atividades radicais, o bugjumping foi a campeã. 1 a cada 2317 pulos resulta em morte. O número é extremamente elevado mesmo levando em conta que a “exposição” ao perigo dura cerca de 5 minutos.
Pular de paraquedas (uma ação também vista como arriscada) está na faixa de 1 fatalidade a cada 100k… 250k pulos (a depender da fonte)
O risco de ser morto por um tornado (nos estados dos EUA atingidos por ele), é minúsculo: 3*10^9 (calculado pelo autor). As estatísticas são similares para vulcões ativos (versus o benefício da terra fértil). Isso explica por que tantas pessoas seguem vivendo em áreas atingidas por tornado… e pouquíssimas se arriscam a pular de precipícios amarrados por uma corda elásticas. Nossos vieses existem. E às vezes atuam para o lado correto.
UM POUQUINHO SOBRE PANDEMIA…
Gripe comum é responsável por cerca de 2% das mortes mundiais por insuficiência respiratória. O padrão também é enviesado: 67% das mortes ocorrem com pessoas acima dos 65 anos.
Em 1918 a pandemia teve como alvo principalmente adultos acima de 30 anos
A pandemia de 1957 afetou desproporcionalmente crianças (0 a 4 anos) e idosos (60+)
“nossa” pandemia,[COVID] de 2019~2023 tem um alvo mortal similar ao da gripe comum (65+) mas com uma taxa muita mais alta.13% de mortes a mais em 2 anos segundo a OMS.
Muitas mortes de seres humanos mais velhos não podem ser evitadas. É parte do preço que pagamos por puxarmos nossa expectativa de vida. Não fomos desenhados para sobreviver a problemas de saúde… A cada nova pandemia a sobrevivência dos mais velhos será desafiada. Podemos diminuir as perdas isolando indivíduos e produzindo vacinas melhores…. mas nunca poderemos eliminar esse problema de fato.
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nós tendemos a sub-estimar riscos que nos são voluntários, familiares e repetitivos. E exagerar na percepção de riscos involuntários e exposições não familiares a nossa experiencia pessoal.
A reação do público a um evento (Ataque terrorista, instalação de uma planta de energia nuclear) é guiada muito mais por esses vieses, do que por argumentos racionais e consequências reais. Durante a segunda metade do século 21, 125k estadunidenses foram mortos por armas de fogo. Em contraste 170 pessoas morreram no país devido a ataques terroristas. No entanto, os gastos para evitar ataques terroristas é infinitamente maior do que campanhas que incentivem o desarmamento ou a pacificação.
Entendendo o ambiente que nos rodeia
Respirar, beber água e nos alimentar. Essas três ações, em que nosso corpo depende para sobreviver, também depende de circunstâncias ambientais específicas: uma atmosfera com a quantidade “certa” de oxigênio e com circulação constante, água e seu ciclo de renovação, e um solo rico em biodiversidade e nutrientes.
O quanto devemos nos preocupar quanto a essas três condições? É o que nos revela o autor nos próximos capítulos.
OXIGENIO NÃO ESTÁ EM PERIGO
Sem oxigênio por 5 minutos nossas células já começam a morrer. Essa é a dimensão do quanto dependemos dessa molécula.
Um adulto consome 1 kg de O2 por dia. Globalmente, retiramos da atmosfera 2,7 bilhões de quilos de O2, felizmente, isso representa apenas 0,00023% de sua disponibilidade!
O CO2 exalado é rapidamente consumido pelo processo de fotossíntese, e o O2 “restaurado”.
O autor aproveita essa sessão para desmistificar o bordão “Amazônia, o pulmão do mundo”. Sim, a floresta produz cerca de 20% do O2 disponível na atmosfera, mas consome quase toda sua produção durante a noite! Ele clama que os incêndios são sim um problema generalizado que deve ser combatido e debatido, mas a possível “falta” de O2 gerada pelo incêndio é uma mentira descabida. Os níveis de O2 na atmosfera se mantém notavelmente constantes.
E ÁGUA E COMIDA?
O consumo de água humano meramente para sobrevivência (isto é, hidratação) deve ser entre 1,5 e 3L ao dia. Mas a vida moderna nos levou a um patamar bem acima: higiene pessoal, cozinhar, lavar roupas, produção de comidas e milhares de outros itens que usam a água em alguma fase da produção, nos levam a consumir, facilmente 20L/dia.
O consumo doméstico varia vastamente segundo a disponibilidade e o país: o Canadá tem uma média de 29 e a França, apenas 7 metros cúbicos por ano per capta). Em muitos países Africanos, o número chega a ser menor que 1.
O consumo de água também pode ser medido nos alimentos, assim, países que dependem enormemente de importação de alimentos, apresentam um consumo maior.
No Other human activity has transformed the Earth’s ecosystems to a greater extent than food production. It already adds up to about a third of the planet’s non-glaciated land.
O problema de produção e má distribuição de alimento pode ser resolvido, usando técnicas já conhecidas, reduzindo o desperdício e adoção de consumo reduzido de carne. Ainda, para a produção de alimentos, precisamos de nutrientes, que deve ser controlado, pois, apesar de ajudarem no crescimento das plantas, em excesso e em contato com a água, tem consequências nefastas.
As técnicas já nos são conhecidas: rotação das plantações e moderação no uso de fertilizantes.
PORQUE A TERRA NÃO É CONGELADA
Sem a atmosfera, que absorve a radiação do sol, a temperatura média da Terra seria -18oC, nos deixando em um planeta congelado, sem alimento. Com a camada, temos uma temperatura média de 15, o que permite a vida na terra em suas mais diferentes formas.
A radiação absorvida, se dá especialmente pelo vapor d’água, que é o principal responsável pelo aquecimento da terra. Contudo, não é ele que CAUSA o aquecimento. É a temperatura da terra que determina o quanto de água evapora. Já a temperatura da terra é controlada por “natural trace gas effect”, majoritariamente pelo CO2, mas também CH4, N20 e O3.
É notória a mudança de concentração desses gases na atmosfera após a era industrial, especialmente de CO2. A parcela de contribuição no aquecimento global devido ao CO2 é estimada em 75%, 15% é “culpa” do CH4 e o restante é dividido entre N20 e O3.
ANO | NÍVEL CO2 (ppm) |
1800 | 270 |
1900 | 290 |
2000 | 375 |
2020 | 420 |
O efeito do aquecimento global surge na mídia por volta de 1988, mas bem antes disso a comunidade científica já identificara um padrão. Fourier, em 1800 foi o primeiro a constatar que a Terra absorve radiação, e Eunice Foote em 1856 em relacionar esse aquecimento com o CO2. Em 1861, sai a primeira publicação equacionando o aumento de CO2 e do aquecimento, por Svante Arrhenius.
O autor é bem cético quando a descarbonização, ainda que evidencie que ela é primordial. Políticos definem metas irrealistas, e raramente executam o que prometem. Apesar disso, parte do mercado vem mudando e a emissão, ainda que não tenha diminuído no ritmo necessário, apresenta melhorias com equipamentos mais eficientes e novas fontes de energia.
A temperatura da terra subir nos impactará de várias formas. O ponto positivo, é que dentre os pilares fundamentais para a vida humana, o O2 não deve ser um problema. Contudo, a disponibilidade de água é um dos pontos a se pensar. A escassez de água potável deve ser um dos problemas emergentes, e uma das melhores formas de lidar com esse fato será no gerenciamento da demanda.
Por sorte, temos um exemplo positivo de bom uso da água, surpreendentemente, em um país que não nos dá bons exemplos de consumo. Os Estados Unidos conseguiram reduzir seu consumo de água em 40% entre 1965 e 2015 (lembrar de comparar sempre per capta).
Quanto a água potável, esse problema poderá ser endereçado utilizando técnicas de dessalinização já dominadas, mas ainda caras.
Um efeito bizarro do aquecimento é o provável aumento de eficiência em algumas plantações (como arroz e trigo). Com a terra mais quente, teremos mais vapor de água na atmosfera, as plantas, precisarão de menos irrigação e poderemos ter plantios melhores, mesmo em regiões que recebam menos chuva que o normal. Contudo esse efeito não pode ser lido como um ponto positivo que “remove” todas as outras vicissitudes que encontraremos!
INCERTEZAS, PROMESSAS E REALIDADE
Já temos o conhecimento para mudar e melhorar o mundo em que vivemos em várias áreas: reduzir o gasto energético na indústria de construção, transporte e agricultura. As ações a serem tomadas devem ser perenes, não urgentes para prevenir uma catástrofe iminente.
Às vezes ações simples, tem um impacto gigantesco. O uso disparado de SUVs, que começou em 1980 nos EUA e hoje já se espalhou pelo mundo. Um SUV emite 25% mais CO2 que um carro padrão. Em 2010, foram a segunda maior causa do aumento de emissão de CO2. É um dado espantoso!
O autor, é bem cético quanto as mudanças, mas tenta colocar em termos simples, o que deve/pode ser feito.
Quanto ao que deve ser feito, em parte, já temos as ferramentas.
WISHFUL THINKING
Quando falamos do futuro, muitas vezes as previsões são desconectadas da realidade recente. Manter a Terra na temperatura adequada, assumindo que o consumo de energia pode reduzir é um contra-senso. Afinal, grande parte ainda dos seres humanos vive em linha de pobreza ou em um patamar inferior aos países desenvolvidos. É natural que essa população queira alcançar um nível de consumo maior do que tem hoje, portanto, não é natural prever uma redução drástica no consumo (como alguns “especialistas”, alerta Vaclav)
Contudo, não devemos subjugar a necessidade humana de ter o que não tem, e especialmente reduzir o gap entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Nas palavras dele: “não se pode instantaneamente mudar o curso de um sistema complexo, com 10 bi de toneladas de carbono e converter 17 terawatts de energia só porque alguém decidiu que a meta X no ano Y, revertendo uma tendência histórica”
MODELOS, DÚVIDAS E REALIDADES
A evolução das sociedades é afetada pela imprevisibilidade do comportamento humano.
O autor segue então em nos alertar sobre as predições em sistemas complexos, e na necessidade de não nos agarrarmos a elas. Vivemos em um mundo complexo, com inúmeras variáveis… e tentar prever todas é irracional. Para ele, tanto os catastróficos, quanto os otimistas (que preveem vários milagres) devem ser ignorados. Ainda, tanto um quanto o outro, não ajudam a sociedade a evoluir. Dizer que o mundo vai acabar e não mostrar o caminho para reverter a situação é contraproducente. Acreditar que uma solução milagrosa eventualmente acontecerá, sem prover um ambiente de debate e inovação, também não.
Compreendendo o futuro
A quantidade de previsões modernas aumentou de maneira inversamente proporcional a qualidade das previsões
Previsões como natalidade, fertilidade e mortandade são confiáveis (segundo o autor). Mas, as demais previsões, raramente se concretizam (políticas, econômicas…) pois dependem de um conjunto enorme de variáveis voláteis (decisões humanas, governamentais, desastres naturais…).
A necessidade de terra, alimentos e a busca por conforto também devem ser levadas em consideração. Ainda que a tecnologia tenha gerado mais acesso e processos mais eficientes, existe um limite físico para tais avanços.
Para mim, o autor também faz uma digressão interessante sobre inércia e mudança. Frequentemente ouvimos teorias sobre um mundo dinâmico, que muda e se adapta rapidamente (mundo VULCA), e que a velocidade da tecnologia aumenta exponencialmente (Lei de Moore). Contudo, ele afirma por meio de vários exemplos como nossa vida permanecerá “igual” nos próximos 20-30 anos (basicamente, devido à inércia), mesmo com inovações ditas disruptivas, como baterias a lítio e impressoras 3D. Parafraseando-o mais uma vez, “aço, cimento, amônia e plástico, permanecerão como os 4 pilares da civilização, e todos eles dependem imensamente de combustíveis fósseis.”
IGNORANCIA, PERSISTENCIA E HUMILDADE
Vaclav consegue expor e criticar as dificuldades impostas pela crise do COVID-2019, especialmente a contradição entre um mundo tecnológico capaz de produzir uma vacina inovadora em tão pouco tempo VERSUS países despreparados para atuar na crise, seja pela adesão de medidas protetoras pela população (uso de máscara, isolamento social) seja pela gestão de recursos entre os países (crise da distribuição e acesso aos EPIs para médicos).
O autor, segue em seu ceticismo e demostra que o mundo não aprendeu com as crises passadas, e tampouco com a COVID. Em sua visão, especialmente a crise dos EPIs não será resolvida, pois as supostas “vantagens” da produção especializada e em massa não superará os “custos” de uma produção descentralizada.
A evolução não é uma “rampa ascendente”, por isso, não devemos nos desanimar (difícil após a leitura desse livro e o ceticismo do autor!). Ao se aproximar do fim do livro, ele tenta expor alguns eventos interessantes/de orgulho da raça humana, como a erradicação da poliomielite (voltando agora no Brazil após a gestão desastrosa daquele que não deve ser nomeado) e os avanços na segurança do transporte aéreo.
The future is a replay of the past – a combination of admirable advances and (un)avoidable setbacks.
Atingir a descarbonização rapidamente como vem sendo alardeado politicamente, é uma tarefa improvável, pois vai contra todas as evidências de demanda e produção. O que a população hoje deve abdicar para um benefício futuro é alto, e a tendência humana é valorizar muito mais o agora (especialmente se você próprio não será o beneficiário!).
O nível de incerteza que lidamos com todas as variáveis (incluindo a população de 100 anos) dificulta em entender quais são as medidas mais importantes a serem tomadas.
Não sou pessimista ou otimista. Sou um cientista. O futuro não está pré-determinado, e depende das nossas ações.
Essa leitura foi extremamente densa, repleta de números que infelizmente não consigo decorar, e provavelmente exigirá uma releitura em breve. Espero não ter gerado em mim mesma um sentimento pessimista demais… ao menos é assim que me sentia ao finalizar cada capítulo. De resto, sigo sendo um pouco Ray Dalio (hiper-realista) e Vaclav (cientista): o futuro conterá inevitavelmente uma pitada de sorte, marés de azar e alguns milagres tecnológicos. O futuro, estará aí para ser desbravado pelas gerações futuras.