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Janela de Euclides

O livro A JANELA DE EUCLIDES (Euclid’s window – the story of geometry from parallel lines to hyperspace), do autor LEONARD MLODINOW, é bem mais técnico que seu outro livro (O ANDAR DO BÊBADO) que cruzou minha vida dois anos antes. Confesso que tive dificuldade em seguir todas as ideias, especialmente na última sessão quando ele adentra a Teoria das Cordas.

Apesar da parte final eu não ter seguido/compreendido 100%, conectar a história da matemática com a vida de seus criadores e a evolução da sociedade foi uma experiência diferente de outros livros, e recomendo a leitura para quem, assim como eu, é apaixonado com os números e a maneira de explicar o mundo através deles.

 

Vem comigo para um resuminho rápido e alguns comentários de cada uma das partes que compõem esse livro e nossa história numérica…

Por que não começamos pelo fato de a Terra ser redonda? Ironia ou não, nossa introdução começa com a reflexão que Aristóteles observando barcos sumirem no horizonte e um pensamento surgir… se o casco desaparece primeiro, e só depois o mastro… a Terra não pode ser plana! Para chegar a essa conclusão nosso amigo grego usou conceitos da geometria.

Passamos então a Pitágoras, outro grego que usou a matemática (um sistema abstrato de regras) para modelar o universo físico que conhecemos. Afinal, foram os gregos que popularizaram o conceito de abstração e prova. São eles os responsáveis por olhar o mundo e encontrar explicações geométricas “para tudo que viam”.

No princípio, a geometria não estava atrelada aos números, e sim, apenas às formas. Arquimedes derivou pi usando hexágonos como aproximações de círculos e só depois “da idade das Trevas” Rene Descartes cria o sistema de coordenadas, e os números foram introduzidos formalmente à geometria. Isso não só nos salvou de trabalhos manuais laboriosos, como também possibilitou um mundo mais abstrato, com a introdução da ideia de espaços-curvos. O que, por sua vez, sustentou na modernidade os trabalhos da teoria da relatividade de Einstein.

Na atualidade, nos deparamos com um nome talvez não tão popular: John Schwartz. Conhecido por muito tempo, como o maluco que trabalhou por mais de 15 anos na teoria das cordas, quase sem apoio da comunidade científica geral, hoje, essa teoria já é vista como a mais “promissora” para explicar o mundo como o conhecemos.

Para nosso autor, tudo começa com Euclides…

Em grego, a palavra “geometria” significa “mensuração da terra”. A história da geometria começa com Euclides porque é com ele que começaram os axiomas, os teoremas, a ideia de prova e “do nascimento da razão”.

A matemática e os números podem ser conceitos abstratos em muitos exemplos, mas inicia-se na sociedade como algo bem real, tangível e inexorável: impostos! No antigo Egito, os impostos eram calculados usando uma proporção com a área de terra inundada a cada ano. Essa uma das primeiras aplicações que se tem notícias do uso de conceitos da geometria (área) e dos números.

Naturalmente, o uso da matemática e da geometria no Egito não se restringiu aos impostos, mas também aos grandes templos construídos (tente você fazer um edifício com blocos de 2 toneladas, base quadrada e faces triangulares que se encontram perfeitamente no topo sem o uso de teoremas!). Os egípcios usavam um “esticador de corda”, uma pessoa que “segurava” as cordas esticadas, com nós a cada X metros e proporcionava os ângulos corretos para a construção das pirâmides.

Outro império matemático foram os Babilônios, que, além dos impostos e taxa de juros, aplicaram conceitos geométricos para calcular quantos trabalhadores eram necessários para cavar um fosso. Nosso conhecimento dessa sociedade se deve principalmente por ruinas em Nineveh onde temos cerca de 1500 “tablets de pedra” com problemas escritos em retórica:

Quatro é a distância e cinco a diagonal. Qual é a largura? Seu tamanho é desconhecido. Quatro vezes quatro é dezesseis. Cinco vezes cinco é vinte-cinco. Se você tirar dezesseis de vinte cinco, restam nove. O que vezes o que dá nove? Três vezes três é nove. Três é a largura.

Hoje, pode nos parecer ridículo escrever um problema matemático “em português”, mas isso só é possível quando a humanidade acorda no uso de sinais para descrever operações. O primeiro registro do sinal de (+) ocorre em um manuscrito na Alemanha, datado de 1481!

Os nós nas cordas dos egípcios e os escritos babilônicos indicam um conhecimento do Teorema de Pitágoras. Contudo, nenhuma das nações explorou ou contestou o conhecimento da relação. Assim, os gregos ganharam destaque no mundo científico que se formava, onde não basta “saber que as coisas são”. Precisamos saber “porquê” elas são e quais são seus limites.

Thales foi um matemático grego que passou pela Babilônia e pelo Egito. Com a natural sede de conhecimento grega ele se destacou nesses dois ambientes em que a matemática era apenas uma ferramenta prática. Ficou famoso por prever o eclipse solar de 585AC. Foi Thales quem “iniciou” a sistematização da geometria e o pensamento lógico. E que, através da observação e da lógica, poderíamos explicar toda a natureza. Segundo seus escritos, a natureza seguia leis regulares e, de certa maneira, foi o precursor do pensamento de que “tudo é formado essencialmente pela mesma coisa”.

A ideia de observação seguida pela explicação por lógica sai de Thales para encontrar seu sucessor: Pitágoras. Reza a lenda que estava passando em uma ferraria e observou os diferentes sons dos martelos. Foi assim que ele descobriu e postulou a teoria das progressões harmônicas e a relação delas com o comprimento da corda e o tom do som produzido.

É com Pitágoras que o termo matemática surge para o “estudo dos números”, uma inclusão do termo “mathema” que me grego significa “ciência”. Pitágoras, além do teorema clássico que relaciona o tamanho da hipotenusa com os catetos, foi o primeiro a classificar os números em “pares” e “ímpares” e é retratado como o grande “influencer” (alguns acreditavam que ele era uma espécie de Deus) tendo criado um séquito de seguidores que se aproximava de uma ceita religiosa.

Dentre seus feitos, também está ter criado a resistência aos números irracionais. Quando deparado com o problema de não conseguir definir a raiz de dois, Pitágoras proibiu seus seguidores de abordar o problema e nomeou certos números de “irracionais” que em grego também significa “aquele que não deve ser nomeado”. Hippasus, inclusive, foi assassinado por quebrar o voto de silêncio e tentar “discutir” o problema. As consequências do tabu se alastraram até o século XIX, quando Greg Cantor, matemático alemão fez descobertas importantes quanto aos números irracionais, mas foi linchado pelos colegas e passou seus últimos dias em uma instituição psiquiátrica.

Brigas/guerras políticas acabaram com a vida de Pitágoras, mas suas ideias atravessaram os anos na penumbra até 300DC, quando foram “revividas” pelos Romanos, porém as barbas longas, o uso do ópio e valores não cristãos (como a crença na reencarnação) fizeram os seguidores de Pitágoras desaparecer na Idade das Trevas, 600DC.

Chegamos finalmente em Euclides, o autor do livro “Elementos”, que retrata pela primeira vez de maneira formal um mundo abstrato, sem referência ao nosso mundo físico real. Sua disrupção está justamente na abordagem:

·         primeiro, ele é extremamente cuidado em enunciar os termos e garantir uma comum compreensão do uso e significado de cada palavra;

·         segundo, ele usa os famosos axiomas, postulados concretos que são tomados como verdadeiros;

·         terceiro, ele usa da lógica para chegar a conclusões.

Uma das principais contribuições de Euclides é na racionalização das provas. O uso da intuição como qualquer prova deve ser refutado. Se uma premissa está errada, então toda teoria está errada. A matemática é frágil.

Pequenas mudanças quantitativas podem ter grandes consequências qualitativas

Pela teoria Newtoniana, planetas se movem em elipses perfeitas. Em 1859, Urbain Jean-Joseph Laverriei descobriu que a órbita de Mercúrio estava deslocada 38 segundos em um século. Isso implica que as órbitas *não* seguem elipses perfeitas. Em 1915, Einsten, pela sua teoria, conseguia calcular a órbita de Mercúrio com precisão. Por menor que fosse o desvio, da órbita, isso significou a queda de toda a teoria da física clássica.

As premissas de Euclides foram postuladas com o intuito de não terem “erros gerados por intuição”. Ao todo, ele escreveu 23 definições, 5 postulados geométricos e 5 “noções comuns”. A partir dessa fundação teórica, foi capaz de provas 465 teoremas, que, até hoje, são essencialmente a base da geometria como a conhecemos.

Para exemplificar seu trabalho, ele define linhas paralelas como “linhas retas que, estando no mesmo plano, e sendo produzidas infinitamente em ambas as direções, não se encontrarão em nenhuma das duas direções”. Enquanto a definição de linhas paralelas é clara e precisa, a definição de linha reta é vaga: “aquilo que repousa igualmente com os pontos nela mesma”.

As cinco “noções comuns” e Euclides são:

1)     Duas coisas que são iguais a uma terceira, também são iguais entre si.

2)    Se iguais são adicionados a iguais, então o total também é igual

3)    Se iguais são subtraídos de iguais, então o restante também é igual

4)    Coisas que se coincidem são iguais

5)    O todo é maior que a parte

E seus cinco postulados são:

1)     Dados dois pontos, uma linha pode ser desenhada com esses pontos como seus delimitadores

2)    Qualquer segmento linear pode ser estendido indefinidamente em qualquer direção

3)    Dado um ponto qualquer, um círculo com qualquer raio pode ser desenhado com este ponto como seu centro

4)    Todos os ângulos retos são iguais

5)    Dado um segmento linear que cruza duas outras linhas de maneira que os a soma dos ângulos internos é menor que dois ângulos retos, então ambas as linhas irão eventualmente se encontrar desse lado.

O quinto e último postulado é conhecido como “o postulado das linhas paralelas” e aparentemente não era bem apreciado nem por Euclides (que evitava utilizá-lo). Por 2 000 anos nos baseamos nesse conjunto de regras para definir nosso mundo e aceitamos o “fato” de que um e apenas um “paralelo” poderia existir.

Euclides trabalhou em Alexandria, uma cidade “planejada”, centro de cultura, comércio referência governamental. Após a morte de Alexandre, a cidade foi tomada por Ptolomeu e seu filho, Ptolomeu coordenou a grande biblioteca e o Museu (termo que vem da estrutura do local, dedicada às sete musas), considerada a primeira instituição de pesquisa controlada pelo estado do mundo.

Foi o chefe da biblioteca de Alexandria, Eratosthenes, o primeiro homem a medir a circunferência da Terra em 212 DC (com um erro de 4%, 25k milhas). Arquimedes também passou pelo local contribuindo para a matemática e a engenharia. Também foi berço da astronomia e da geografia (e a cartografia).

Como todas as sociedades, Alexandria proveu inúmeros pensadores, avanços científicos e escritos que se perderam nas guerras e quando Roma toma o poder, temos quase 1000 anos sem nenhum outro avanço matemático. Enquanto os gregos tinham os matemáticos em posição de honra na sociedade, para os Romanos, os guerreiros eram os mais bem quistos.

Vale mencionar aqui que, uma famosa matemática, esquecida pelos livros de história passou pela biblioteca e a escola de Alexandria ao redor de 370 AC. Seu nome, era Hypatia e, mais uma vez, seus conhecimentos e contribuições para a ciência foram apagados por inimigos políticos que a condenaram por bruxaria, tendo uma morte brutal. Seus trabalhos foram destruídos e, sendo a última guardiã da grande biblioteca de Alexandria, mais conhecimento foi perdido, com mais de 200k rolos de pergaminhos queimados pelos romanos. No ano 800 DC, apenas fragmentos de “Elementos” restaram, contrabandeados durante a Era das Trevas.

Tudo em breve mudaria e a tradição grega do estudo, da prova e da lógica, ressurgiria.

Há mais em uma localização do que nomear um local.

O verdadeiro poder em “dizer onde estamos no espaço” se dá não só em identificar esse local (no mapa?), mas em relacionar diferentes locais e caminhos, e isso se dá a partir da aplicação da geometria e da álgebra por meio de equações matemáticas.

A ideia original de Latitude veio de Aristotles, ao observar como o clima alterava a depender da localização que estávamos na Terra. Ele propôs então dividir o globo em zonas climáticas. Eventualmente as linhas paralelas que cortavam o globo dividindo zonas frias (polares) e quentes (equatoriais) começaram a ser desenhadas nos mapas. Buscando precisão, essa divisão foi atrelada às estrelas (alinhada hoje, à estrela Polaris, e que na época dos egípcios era a alpha-Draconis, uma vez que o eixo Terrestre muda com o tempo). Na época dos Gregos, não havia de fato uma estrela polar, então, associar ao clima não parece uma ideia tão imprecisa assim. A latitude, nada mais é que o ângulo entre nosso ponto, a estrela e o horizonte (calculado pelo sextante, inventado por Newton em 1700).

Para sabermos nossas longitudes precisamos ser precisos no tempo. Se temos duas fotos do céu na mesma latitude e no mesmo horário, podemos inferir nossa longitude. Para isso, precisamos de relógios precisos e de um comum acordo do “zero”, que chegou apenas em 1884.

Após a ideia de Aristóteles de dividir o globo em zonas climáticas, Hipparchus sugeriu dividi-las em intervalos iguais. 5 séculos depois, os nomes Latitude e Longitude já estavam dados. No livro de Ptolomeu, Geographia, usou esses conceitos, mas desapareceu durante a ascensão do império Romano.

Foi preciso a queda do império Romano e o início das Cruzadas para trazer à Europa contato com os Árabes e o império Bizantino. Enquanto o conhecimento grego matemático foi queimado em Alexandria, trabalhos de Euclides e Ptolomeu permaneceram vivos no mundo Islâmico.

Apesar do mundo Islâmicos não ter produzido grandes avanços abstratos na matemática, durante o período das trevas europeu, eles avançaram no cálculo, produzindo seis funções trigonométricas, aperfeiçoado o astrolábio e propiciou que Elementos voltassem a ser traduzido para o Latim. Fibonacci trouxe do norte da África a ideia do número zero e dos Hindus o sistema arábico de números que até hoje utilizamos.

Até o século XIV ninguém sabia com precisão que horas eram (em Londres estima-se que a hora na cidade variava entre 38 e 82 minutos) e o primeiro relógio surgiu na Alemanha em 1330. A Peste Negra chegou na Europa em 1351 e matou metade da população do continente. A saída da idade das trevas foi turbulenta, com a Peste e a Inquisição matando almas e mentes, um grupo conhecido como “escolásticos” guia o continente no ressurgimento do pensamento lógico.

O conceito de universidade naquela época era vago. Em Bolonha, os alunos contratavam os professores e jogavam coisas caso a aula estivesse entediante. Em Leipzig uma lei teve que ser aprovada proibindo arremessar pedras nos professores. Estudiosos como São Tomás de Aquino acreditava piamente na existência de bruxas e, sabiamente, não contestava a Igreja. Ao invés disso, preferia tentar provar pela ciência afirmações das escrituras. Seus críticos (como Abelardo e Roger Bacon, não foram tão sábios e foram perseguidos por contestar certas verdades). Occam entra em cena para corroborar a ideia euclidiana de que, para explicar qualquer fenômeno, devemos nos basear no menor número de assunções possível.

Pitágoras renegou a existência dos números irracionais e sua representação gráfica. Se temos um quadrado de lado 1, então sua diagonal é raiz de 2. Se uma ponta da diagonal é “o zero”, então o outros extremos “deve ser a resposta para raiz de dois. Pitágoras, não admitia a existência de um número que não fosse “inteiro” ou uma “fração”, baniu também a ideia de “linha de números”.

A matemática é uma invenção humana e anda no limite da nossa criatividade. Número irracionais eram “ilegais” para Pitágoras, e sua negação parou a evolução da teoria nesse sentido. Hoje, o uso de “matemática ilegal” é comum e talvez, até mais aceito. Em 1930 Paul Dirac inventou a função delta (que vale zero em todos os pontos, exceto um, em que vale infinito). Tal anomalia se provou extremamente útil para o campo da física quântica.

No meio do século XIV, Oresme inventa então “os gráficos”. Um gráfico, nada mais é que uma gravura que representa uma função, a relação entre duas variáveis e como elas variam entre si. Oresme percebeu que, ao visualizarmos os dados em um gráfico (e não em uma tabela) nossa mente conseguia estabelecer padrões mais facilmente. Oresme demonstrou o benefício do uso de gráficos para provar a regra de Merton, que diz que: “a distância de um objeto em movimento uniformemente acelerado que parte do repouso é igual a de um objeto que se move pela metade do tempo na velocidade máxima”. Oresme também foi um precursor do pensamento da relatividade de Galileu: “não podemos detectar se um corpo se move, exceto em referência com outro. Ele também estudou a possibilidade de a Terra girar em torno dela mesma e do Sol, mas abandonou a ideia. Mais tarde Galileu e Copérnico surgem para corroborar a ideia e evoluir a teoria.

Contudo, mais 200 anos se passariam antes da França “gerar” mais dois matemáticos que causariam revoluções no mundo da matemática.

Descartes nasceu pobre e doente. Sua mãe morreu logo depois do parto e seu pai cuidou da sua educação. Desde jovem ele se destacou, e sem dinheiro, alistou-se no exército para poder viajar. Em suas viagens, na Holanda, ele se deparou com um desafio matemático em uma nota colocada em praça pública. Descartes resolveu o problema facilmente, tornando-se amigo de Beekman e iniciou realmente a estudar matemática.

Descartes é descrito como um “preguiçoso notável”. Mas foi sua preguiça que transformou a matemática. Enquanto Euclides escrevia que “o círculo é uma figura plana contida por uma linha (isto é, uma curva) de maneira tal que todas as linhas retas que que passam em ambas as extremidades e pelo seu centro, tem a mesma medida”, Descartes reduziu para: “um círculo satisfaz a condição x²+y²=r² para um número constante r.”

Foi Descartes quem publicou o sistema Cartesiano de Coordenadas (inventado por Pierre Fermat), e o utilizou vastamente para aplicações e visualizações geométricas. Ele foi, por exemplo, o primeiro a formular a lei da refração da luz em sua forma trigonométrica e a explicar a física do arco-íris. Seu trabalho foi publicado em um extenso livro, hoje conhecido como “Discurso do Método”, em que ele descreve sua abordagem para resolver problemas de maneira lógica. Apesar de temer a Igreja, e de ter sido criticado por muitos, seu trabalho foi rapidamente aceito e usado nas principais escolas da época (sua filosofia de vida… isso já é outra história).

Os 5 postulados de Euclides permaneceram firmes por 2k anos. Foi um adolescente de 15 anos, sem apego pelas velhas ideias ou crenças, que conseguiu quebrar o paradigma do teorema das linhas paralelas. O teorema sempre foi “problemático”, pois não era tão simples ou intuitivo, contudo, permaneceu como verdade e guiou as ciências da época de maneira inquebrantável.

Se o teorema dos paralelos é falso, e espaços curvos existem, então, toda a geometria tal qual a conhecemos poderia estar comprometida. Assim foi.

Após Gauss, a matemática, a teoria do espaço e a física, mudaram para sempre.

Pitolomeu tentou provar o teorema no segundo século antes de Cristo, sem sucesso (tudo que conseguiu foi o uso de argumentos circulares). Algumas centenas de anos depois, Diadochus, que foi educado em Alexandria, também tentou a proeza, depois Thabit (da escola islâmica) e Wallis. O segredo era compreender que nem todos os espaços eram euclidianos, mas essa ideia era assustadora demais para ser pronunciada, e assim, por séculos, outros tipos de espaço foram descobertos/inventados e mantidos em segredo por pequenos grupos de matemáticos.

Quando a ideia de espaço não-euclidiano veio à tona (e aceita) a maior parte de seus estudiosos, já estava morta.

Gauss nasceu 50 anos após a morte de Newton. Aparentemente, era um gênio e sabia somar antes mesmo de falar. Seus primeiros anos foram em escolar nada glamorosas, mas isso não o impediu de se destacar e foi bancado por seu professor por um tempo e, futuramente, graças a conexões improváveis, por um Duque. Com 12 anos começou a criticar o trabalho de Euclides e com 15 estava seguro de que um mundo não-euclidiano existia. Sua vida como matemático evoluiu e ele se tornou professor em Gottingen. Assim como Descartes, sua vida pessoal foi marcada por tragédias proporcionais ao seu brilhantismo. O problema com Gauss foi que, apesar de descobrir tão jovem ideias disruptiva, ele as manteve para si por longos anos. Suas anotações foram descobertas apenas 43 anos após sua morte. Ele não temia, necessariamente, a morte. Mas, à sua época, ainda que pessoas não morressem mais na fogueira por pensamentos heréticos, a física ainda não estava totalmente separada da filosofia, e Gauss temia explicações não lógicas, porém intuitivas, que ainda eram aceitas. Notadamente, Gauss (ou seus seguidores) temia Immaniel Kant (que morreu em 1804), que defendia seguir a intuição (Crítica da Pura Razão). Gauss, por outro lado, estava do lado do rigor lógico.

Graças ao rigor de Gauss, pudemos compreender todo o andamento de seu trabalho. Após sua morte, foi um alívio encontrar tudo catalogado, suas correspondências, suas anotações e postulados. O espaço hiperbólico (não-euclidiano) advém do fato de que, para qualquer linha, não existe apenas uma única linha paralela, mas sim várias linhas paralelas para um dado ponto externo à linha de referência. Como consequência, temos que a soma dos Ângulos internos de um triângulo é sempre menor que 180 graus e, quanto menor o triangulo, mais próximo de 180º (ou seja, mais próximos do modelo euclidiano).

A visualização do espaço hiperbólico ocorreu com dois outros nomes: Eugenio Beltrami e Henri Poincare.

Gauss também inventou o que chamamos hoje de probabilidade e estatística, teorizando que erros são distribuídos de maneira aleatória em uma curva de sino ao redor de uma média. Não bastando criar um novo campo, ele também inventou a geometria diferencial, em que uma superfície é descrita pelo sistema de coordenadas de Descartes e analisada empregando o cálculo. Em outras palavras, ele concebeu a ideia de que uma superfície poderia ser curva, sem estar “se curvando” em nada (sem uma referência de espaço externa), algo que se tornou central na teoria geral da relatividade de Einstein.

Foi um estudante de Gauss que teve o mérito de concluir, ao final, que a Terra estava em um espaço elíptico (e não euclidiano). Já era aceito que a menor distância na Terra era obtida por uma geodésica, e não pela linha reta. Triângulos esféricos inclusive foram usados para praticas de representação de mapas. Mas foi Riemann (que morreu com 39 anos logo depois de concluir seu trabalho) quem sustentou que mais postulados deveriam ser alterados. Riemann pontuou que Euclides tinha cometidos muitos erros, com assunções vagas e definições impossíveis. Euclides recusava a ideia de “termos indefinidos”, mas, se toda palavra do dicionário precisa de uma definição, é inegável que teremos argumentos circulares em algum ponto.

Gauss pode ter vencido Kant, mas Kant também tem seu lugar na história. Para não termos argumentos circulares, precisamos ter “termos indefiníveis”. Mas como acordar sobre algo indefinível?

Hoje, a geometria euclidiana foi reescrita, quase em sua totalidade por Hilbert, em 1899. Ele revisou os postulados explicitando-os, e aumentou o número de axiomas e incluiu ao menos 8 termos “indefinidos”. Todo esse trabalho se mostrou crucial para a teoria da relatividade. À época de Euclides, a matemática era uma representação do mundo como o vemos. Em 1900, apenas um jogo mental. Para os matemáticos, uma nova pergunta surgia: como provar e existência lógica das estruturas?

 Russel surge como o Euclides da matemática. Seu livro Principia Mathematica tentou agregar todos os axiomas possíveis que embasaria toda a teoria matemática (assim como Elementos fez com a geometria). A proposta era ousada, e em 1931 Kurt Godel provou que: “em um sistema complexo, como a teoria dos números, deve existir uma premissa que não pode ser nem verdadeira nem falsa.” Essa teoria destrói a abordagem de Russel, e uma abordagem única para toda a matemática se torna impossível.

Um cientista nunca está sozinho.

O que determina “a forma do espaço” é resposta que tornou Einstein famoso em 1915. Porém, antes dele, Riemann já ensaiava uma teoria em 1854 e em 1870 Clifford, sem uma teoria bem formada, com uma “intuição matemática” forte, desenhou a conclusão que Einstein conseguiu formular com mais rigor: objetos em movimento livre se movem em linha reta em um espaço euclidiano, então, outros tipos de movimentos devem se mover em espaços curvos (não-euclidianos).

Por 200 anos, Newton reinou ao descrever o movimento dos corpos. Mas sua teoria era falha. Milimetricamente falha, e, como vimos, a ciência busca a perfeição em todas as casas decimais possíveis.

A navalha de Occam segue sendo um norte, e, como Russel tentou modelar toda a matemática com premissas, a física também tenta explicar o universo com uma única teoria. A ideia de que tudo é formado e preenchido por uma única partícula ou entidade (e recusar a existência do vácuo) sempre foi uma teoria amada e odiada através dos séculos. Quando a luz começou a ser vista como onde e partícula, a teoria do Éter viu uma brecha para renascer. Se o éter era um gás um sólido, a polêmica permaneceu parte aceita, parte não por quase um século.

Maxwell, outro gênio da ciência que revolucionou como enxergamos a mecânica e a quântica, é o responsável por tantas inovações do mundo moderno: rádio, televisão, radar e satélites de comunicação. Suas descobertas desafiam a teoria do éter, mas à sua época, isso não estava tão claro como agora.

E desde quando a ciência é uma estrada plana e pavimentada? Quem vê de fora acha que a ciência é um caminho sem erros. Longe disso. A ciência é mata fechada. As dúvidas são perenes e o método científico é justamente nosso posicionamento em desbravar, em questionar o que vemos e nossa intuição.

Se soubéssemos o que estamos fazendo, então não se chamaria pesquisa! – Albert Einstein

A escrita de Maxwell, ao contrário de Gauss, era confusa e muitas vezes dúbia. Suas equações transitaram campos opostos, e seu pensamento evoluiu aos poucos sua teoria, que quebrava vários lugares comuns da época, processo sempre árduo para qualquer cientista. Em 1900 a maior parte da comunidade cientifica acreditava na existência do éter e buscava experimentos que corroborassem essa ideia (toda a teoria de Maxwell era baseada de que a luz era uma onda, e onda precisam de um meio para se propagar!). Em 1895 o jovem Einstein estava ciente dos experimentos de Morley, Fizeau e Lorentz. Ele aceitava a teoria do éter, mas estava convencido de que a velocidade da luz era inatingível, e assim, nascia a relatividade.

Seus estudos o levaram a grandes descobertas, relacionados à geometria da matéria, movimento Browniano e efeito fotovoltaico. Finalmente chegamos à relatividade, que, segundo o próprio Einstein, foi construída com os mesmos princípios de Elementos: com a necessidade de fazer premissas curtas e claras que especificassem um modelo aceitável.

Distância e intervalo de tempo são relativos, a depender do observador. Assim, nossa geometria deve mudar, a depender do observador e do espaço-tempo. Agora, tudo é um evento.

Aceitar a relatividade significou a quebra com o modelo aceito à época, o éter. Não foi uma batalha fácil. Como vimos, uma quebra de paradigma é sempre traumática. Poincare, por exemplo, foi um opositor até sua morte em 1912, e nesse mesmo ano Einstein cunhou o termo princípio da equivalência, quando defendeu que a gravidade era uma força fictícia, que o tempo era alterado pela gravidade (1907) e que, de fato, a luz se dobrava no espaço de acordo com o tamanho das massas em seu caminho (comprovadamente mensurado em 1919, durante o eclipse solar em Sobral, no Brasil.)

No século XXI sabemos mais e, no entanto, parece que a verdade está cada dia mais distante. Passamos de um mudo euclidiano, simples e explicável com linhas e pontos, para um conceito de espaço-tempo relativo, que se curva e, ainda por cima, flertamos com a possibilidade de dimensões extras e universos paralelos.

O número de dimensões de um espaço determina fundamentalmente as regas que regem este universo. A teoria das cordas já evoluiu para a teoria “M” e ainda são elaborações incertas, ainda que já aceitas por parte da comunidade científica como o caminho a ser explorado para explicar os fenômenos que nos cercam.

Tudo parece culminar em uma verdade improvável: que espaço e tempo não existem.

[Esta sessão do livro foi especialmente complicada para mim, pois desconhecia praticamente tudo sobre ambas as teorias. Um breve conhecimento sobre teoria das cordas visto na faculdade, mas tudo muito cru e rudimentar. Explorar essas ideias nesse livro foi uma experiência árdua, pois exigiu um nível de abstração tremendo. Logicamente, o objetivo dessa sessão não era explicar a fundo a teoria, mas traçar um histórico do que ocorreu no campo desde a morte de Einstein. ]

A teoria brilhou primeiro os olhos de Schwarz, que sabia que a solução não seria fácil, afinal, era a continuação do trabalho de Einstein. O próprio Einstein não gostava do fato de que a mecânica quântica era falha, e passou os últimos 30 anos de sua carreira tentando uniformizar a teoria quântica com a relatividade.

Para chegar à resposta, precisamos passar pelo estudo do “princípio da incerteza”: the product of the uncertaninty of two complementary members of the pair must equal a number called Planck’s constant.A constante de Planck é igual a 10^-27. E é aqui que mostramos o quão complicado podem ser as definições…

Leigo: a bola está parada.

Físico experimental: a bola não está se movendo mais rápido do que 1cm/segundo

Mecânica quântica: Se a bola não se move a mais de 1cm/s, então é impossível dizer com precisão qual é sua posição no espaço com um erro de +/- 1cm

Se a bola é visível para o olho humano… mesmo que seja uma bola de ping-pong, esse erro é irrelevante. Mas se estamos falando de elétrons… as consequências mudam rapidamente! O problema é que a constante de Planck e todos esses erros não são notáveis no nosso universo observável (ao menos por enquanto). Demoramos a perceber que “isso” era um “problema”.

O princípio da incerteza e a teoria geral da relatividade se opõem. A teoria da relatividade foi amplamente testada no universo observável. Não podemos testar essa teoria no “espaço ultramicroscópico”. Assim, como seria o espaço nessa escala? Quais regras o regem?

Kaluza, ainda com Einstein vivo, sugeriu que, se considerássemos 5 dimensões, então derivaríamos as equações de Maxwell da teoria da gravidade. Isso sugeriu um caminho para a teoria das cordas, mas Einstein não conseguiu desenvolver a ideia totalmente.

A história nos traz para a Itália, quando alguns cientistas começam a desenvolver a teoria da matriz-S, que rapidamente inspira a ideia fundamental de que partículas deveriam ser vistas como “cordas vibrantes” e não “pontos”. Se essa abordagem é apenas um truque matemático ou não, só o tempo irá nos dizer. A partir de 1930 os “problemas” seguem a aparecer na física, com a “descoberta” de mais partículas (como o pósitron, meutrinos, pions…) e o conceito de anti-matéria, força-forte e força-fraca. A mecânica quântica surgira para explicar como partículas interagiam, e, agora precisava de explicar também como eram criadas, destruídas e transformadas em outras…

A corda é feita de nada. No entanto, tudo é feito delas. Com todo o seu diverso espectro de propriedades, são simplesmente diferentes padrões de vibração da corda

A teoria das cordas é o exercício máximo da abstração. Quanto mais dimensões adicionamos, mais possibilidades temos e mais propriedades podemos obter. Isso seria impossível no mundo de Euclides.

Schwarzs e Scherk encontraram uma maneira de unir a teoria geral da relatividade e a mecânica quântica de Einstein. Por muito tempo foram politicamente ignorados. A matemática era (e é complexa). Sem aplicações da teoria e reconhecimento, Scherk teve vários breakdowns, até culminar em seu suicídio em 1979. Gall-Man, um entusiasta do trabalho de ambos, conseguiu manter Schwartz na Caltech (apesar de tudo) e em 1984 uma nova descoberta. Witten, um dos físicos mais influentes da época entrou na jogada e, a partir de então o campo for re-descoberto (ou re-aceito) como válido.

Vários outros cientistas começaram a explorar a teoria “das supercordas”.

Hoje, as maiores contribuições foram dadas por Witten, frequentemente comparado a Einstein. Ambos possuem muitas similaridades, mas, do ponto de vista do autor, Witten deveria ser comparado a Gauss. Seu trabalho, assim como o de Gauss, tem forte impacto na matemática, e ele tem re-inventado a matemática para tal fim. Einstein sempre esteve ligado mais à física, e talvez, por isso não tenha conseguido fazer progressos como Witten fez no campo da teoria-M. (A teoria M é a teoria de Witten que todas as 5 formas distintas da teoria das cordas em voga até então poderiam ser unificadas em uma única tese). Basicamente, ele transforma “cordas” em “membranas” e 11 dimensões resolvem todas as questões. [Quem sou eu para entrar no mérito do que é o que nessa teoria… nesse ponto do livro eu já mal sigo as teorias.]

A teoria-M proclama: Espaço e tempo não existem. A entropia dos buracos negros (calculada por Hawking, por um método distinto) podia ser explicada e teríamos uma “observação” da teoria totalmente abstrata. Mas ainda há muito o que descobrir, dimensões e partículas a explicar e conjecturar… Hoje é impossível dizer se a teoria-M nos dará todas as respostas ou se é apenas um caminho sem saída. O futuro dirá.

A natureza evolui com uma ordem oculta. A matemática tem o poder de nos revela-la. […] Quando crianças, brincamos de quebra-cabeças, como adultos, vivemos em um.

Nossa compreensão do universo chegou a um ponto em que nunca viajaremos tão longe quanto sabemos que existe, pensamos em dimensões que não podemos “ver” ou “tocar”, e falamos de tempos que não podemos medir e forças que não podemos sentir. A física e a matemática soam como poesia, como um mudo fantástico e impossível. Um caos que nós, humanos, enxergamos lei e ordem.

Devemos nosso conhecimento a mentes brilhantes, algumas citadas aqui, e tantas outras não mencionadas. Nossa cultura, nossa habilidade de transmitir conhecimento através das gerações nos permite avançar e caminhar entre as ideias, gerar soluções e criar problemas. Para cada gênio que a humanidade produziu, a eles coube o prazer da descoberta. Para nós, mortais, fica o prazer de compreender (ou, ao menos, tentar!).

 

Para verdades mais profundas… a busca continua.

A vida desses matemáticos é certamente fascinante. Desafios mentais, ideias que nos custam a vida, tragédias permeando cada nome que surgia. Quantas ideias não morreram por medo, quantas pessoas brilhantes não tiveram a sorte de encontrar um “patrono” para seus estudos, quanto o mundo não seria diferente se todos tivéssemos as mesmas oportunidades?

Acompanhar a evolução da matemática, e tentar tirar um pouco do viés do que sabemos o que é certo e errado hoje é um desafio que Leonard M. consegue fazer com mestria, seja no levantamento dos fatos históricos, seja nas explicações técnicas dos teoremas tentando alcançar a todos com exemplos do dia–a-dia, sempre com bom humor.

 

Lê-lo é sempre um prazer e sempre saio da leitura com mais informação que posso absorver… e você leitor, o que achou do mundo visto pela JANELA DE EUCLIDES?

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